Certa vez, Lupicínio Rodrigues sugeriu à proprietária do pequeno restaurante em que almoçava todos os dias, na calçada da direita de quem sobe a Rua Marechal Floriano, entre a Jerônimo Coelho e a Duque de Caxias, no centro da Capital:
— Ô, Adelaide, por que a gente não traz para cá o pessoal da música?
Foi a senha para que Adelaide Dias reinasse como empresária na noite de Porto Alegre entre 1968 e 1989. Não por acaso, Lupicínio, o mais ilustre frequentador de suas casas noturnas, dedicou a ela os versos de uma canção muito apropriadamente intitulada Dona do Bar:
Eu não vou nunca mais frequentar esse bar
Porque os olhos da dona depois
Não me deixam sair
Morena de cabelos lisos e longos, com rosto de feições indígenas, Adelaide criou ao redor de si uma aura de mistério que ajudou a torná-la uma figura enigmática e fascinante. Quando fiz a pesquisa para lançar o livro Darcy Alves – Vida nas Cordas do Violão (Libretos, 2010), pude constatar que ela deixou poucos rastros acerca de sua vida pessoal. O que se sabe é que nasceu em 1934, em Cerro Azul (no Paraná), desembarcando em Porto Alegre com cerca de 20 anos de idade, “sozinha, apenas com a roupa do corpo”, como descreve a filha mais velha, Carmen Dias.
Trabalhou em café, pizzaria e salão de beleza antes de abrir o Adelaide’s, que, atendendo à sugestão de Lupicinio, passou a reunir a nata dos músicos da cidade, incluindo os violonistas Darcy Alves e Jessé Silva, o flautista Plauto Cruz e o percussionista Azeitona, além de Marino do Sax e Clio do Cavaquinho. À leva de artistas se juntaram jornalistas como Hamilton Chaves, Melchiades Stricher, Fernando Albrecht, Paulo Sant’Anna, Kenny Braga e Danilo Ucha, entre outros boêmios.
Em 1971, como no Adelaide’s já não cabia tanta gente, ela inaugurou o Chão de Estrelas, bem maior e mais confortável. Fiel à musa, a quase totalidade dos clientes do antigo bar desceu a Marechal Floriano para se abrigar no nº 908 da Rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa, endereço do Chão de Estrelas. Ali se apresentaram grandes nomes da MPB, como Nelson Gonçalves, Sílvio Caldas, Ângela Maria, Beth Carvalho, Jair Rodrigues, Clara Nunes e tantos outros.
— Acho que todo mundo gosta de ter um lugar aonde chegar e ser reconhecido, bem aceito. As minhas casas sempre têm funcionado assim, e eu acho que é por isso que tenho tantos amigos — afirmou Adelaide ao jornal Terra-Gente, em dezembro de 1978, quando abriu o Clube da Saudade, na Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, também na Cidade Baixa.
Foi o derradeiro empreendimento boêmio, que durou até 1989, quando ela se casou com um advogado que frequentava o Clube da Saudade e decidiu abandonar a carreira de dona de bar. Adelaide morreu em 8 de agosto de 2009, pouco antes de completar 75 anos, já aposentada e viúva.
— Antes de tudo, ela foi uma vencedora, porque conquistou tudo o que quis na vida — diz a filha Carmen Dias.