
Domingo (13) será um dia especial para o vira-lata caramelo Sérgio, um dos animais abrigados pela SOS Operação Nazário, ONG sediada em Cachoeirinha. Depois de sobreviver à enchente que assolou o Rio Grande do Sul em maio de 2024 — resgatado do telhado de uma casa submersa pela água no bairro Mathias Velho, em Canoas —, ele participará, pela primeira vez, de uma competição de corrida.
A estreia do AUtleta será ao lado da tutora Cláudia Azevedo, 50 anos, protetora de animais e responsável pela SOS Operação Nazário. Juntos, os dois participarão da 2ª Corrida do Comando de Choque da Brigada Militar, que tem um percurso de seis quilômetros.
O trajeto será um marco de superação para ambos: Sergio sobreviveu à tragédia climática, e Cláudia superou uma lesão grave no joelho esquerdo. Em meados de maio, enquanto realizava resgates em áreas atingidas pela enchente, a protetora de animais caiu ao pular do barco para um telhado e rompeu o ligamento da articulação.
— Eu me machuquei, mas continuei nos resgates. A adrenalina era tanta que só fui descobrir que tinha rompido o ligamento em junho, depois que a água já tinha baixado — lembra Cláudia.
Foram meses de tratamento até que, em dezembro de 2024, a protetora recebeu alta médica, acompanhada da indicação de praticar exercícios físicos. A modalidade escolhida foi a corrida. Para ter mais motivação e constância nos treinos, Cláudia decidiu que se inscreveria em uma competição.
Foi assim que a protetora chegou à Corrida do Comando de Choque da BM, que se diferencia por permitir a participação de animais entre os atletas. Na hora, Cláudia não só decidiu que essa seria a prova ideal, como também definiu que competiria com um dos animais resgatados durante a enchente.
— Quero mostrar que tem muito bicho da enchente ainda esperando para ser adotado. Muito bicho querido, parceiro, que pode aprender coisas incríveis, assim como o Sergio — destaca ela.
"Outro cachorro"
Junto aos demais integrantes da SOS Operação Nazário, a protetora foi responsável pelo resgate de mais de 300 animais. Destes, 28 cães que não reencontraram suas famílias originais, nem foram adotados por novas, permanecem abrigados na sede da ONG. Entre eles está o AUtleta Sergio, que mostrou levar jeito para a corrida já no primeiro treino, como conta Cláudia:
— Ele se saiu muito bem, correu 2,5 quilômetros sem cansar e sem puxar a guia. Ali, eu soube que ele seria o meu parceiro de prova. Aos poucos, nós fomos aumentando a distância, e o Sergio sempre indo muito bem, faceiro com a corrida. Foi uma paixão que ele descobriu. Treinamos três vezes na semana, mas, se dependesse do Sergio, seria todos os dias.
Apesar de ter participado do resgate de Sergio, Cláudia confessa não se recordar do momento em que o fiel-escudeiro foi salvo – a cada dia, a equipe resgatava, em média, 50 animais. Contudo, ela lembra bem do período que o cachorro passou no abrigo montado pela ONG.
— Ele ficava em uma baia separada, porque era muito bravo. E como ele é um cachorro de porte, todo mundo tinha medo de chegar perto dele — recorda Cláudia.
Agora, vivendo no sítio da SOS Operação Nazário, o comportamento do vira-lata é o completo oposto. Sergio convive bem tanto com humanos quanto com os demais cachorros abrigados pela ONG. Ao todo, são 68 cães abrigados na propriedade, sendo 28 os resgatados da enchente.
— O Sergio é outro cachorro. Aquele comportamento agressivo dele era devido ao estresse, ao fato de estar preso, ao trauma que passou com a inundação. Quando veio para o sítio, ele virou um cachorro tranquilo, brincalhão e muito amigo — afirma Cláudia.
À espera de um lar
Apesar das qualidades, Sergio não conseguiu encontrar uma nova família. Desde a enchente, o caramelo participou de mais de 50 feiras de adoção, mas nunca despertou o interesse de possíveis adotantes.
— Jurávamos que ele seria adotado com facilidade, porque é muito bonito, tem um porte de pastor-alemão, é um cachorro que chama a atenção. Mas aí o tempo foi passando, as feiras foram acontecendo, e o Sergio sobrou — lamenta Cláudia.
Segundo a protetora, o parceiro de corrida está entre os cachorros que tradicionalmente são preteridos nas feiras de adoção: machos, com pelagem curta, de cor preta ou caramelo. São os cães que têm mais "cara de vira-lata" e, por isso, não causam tanta comoção entre os adotantes.
Quero mostrar que tem muito bicho da enchente ainda esperando para ser adotado. Muito bicho querido, parceiro, que pode aprender coisas incríveis, assim como o Sergio
CLÁUDIA AZEVEDO
Fotógrafa forense no Instituto Geral de Perícias
O tamanho dos cachorros também tem um peso importante nisso. Conforme Cláudia, é mais difícil que animais de porte grande sejam adotados.
— O pessoal não quer cachorro grande porque acha que ele não vai se adaptar, que não dá para apartamento, mas isso não é verdade — afirma Cláudia. — O que indica se um cachorro se dará bem em determinado ambiente é o temperamento dele, não o tamanho. Esse pré-julgamento que as pessoas fazem, muitas vezes sem nem conhecer o cachorro, tira deles a chance de ganharem uma família.

Cláudia espera usar a corrida para chamar atenção ao grande número de animais que anseiam por uma família. Entretanto, ela titubeia ao falar de uma possível adoção de Sergio. Como protetora, sabe que ter um lar é sempre a melhor opção para os cães, mas confessa que será difícil se separar do fiel-escudeiro.
— Quero doar o Sergio? Sinceramente, não (risos). Mas eu sei que não posso privá-lo disso. Então, se aparecer uma pessoa bacana disposta a adotá-lo, ele pode ir. Mas tem que ir para uma família de corredores de rua, para que possa continuar praticando o esporte que ama — salienta.
Uma década de defesa dos animais
Fotógrafa forense no Instituto Geral de Perícias (IGP), Cláudia começou sua jornada como protetora de animais ainda na infância. Ela lembra que, desde muito pequena, já se mobilizava para ajudar cachorros e gatos feridos. O envolvimento com a causa animal seguiu até a vida adulta e se intensificou em 2007, quando ela comprou o sítio onde vive e mantém a ONG.
A propriedade fica na Estrada do Nazário, em Cachoeirinha. Mais afastada do centro da cidade, a via é um local de frequente abandono de animais.
— Quando vim morar aqui, uma coisa que, antes, era pontual, acabou virando rotineira. Quase todos os dias, eu chegava em casa e tinha um bicho atropelado, uma mãezinha abandonada com um monte de filhotes. Eu não tinha como ignorar aquilo — lembra Cláudia.
À época, a protetora já acolhia os animais abandonados na região, mas a fundação da SOS Operação Nazário ocorreu somente em 2015. Atualmente, mais de 200 animais estão sob a proteção direta ou indireta da ONG, que completou 10 anos de existência em fevereiro.
Como ajudar
A entidade está de portas abertas a quem desejar apoiar a causa. A cada mês, são necessários mais de 850 quilos de ração, além de gastos com consultas veterinárias, exames e medicamentos. É possível fazer doações para a ONG via vaquinha virtual ou por meio das redes sociais.