Fernando Goldsztein (*)
Conheço muitos zoológicos no Brasil e mundo afora. Confesso que sempre que visito um destes lugares sou possuído por sentimentos conflitantes. De um lado, a fascinação por admirar os animais ao vivo e tão próximos. E, de outro, a tristeza ao vê-los trancafiados em espaços incompatíveis com o seu habitat natural. Um consolo (imagino eu) é saber que grande parte dos bichos já nasceu em cativeiro. Ou seja, devem sofrer menos pois nunca experimentaram a vida em liberdade.
Gosto de observar os macacos. Seus gestos, caras e bocas são, por óbvio, incrivelmente semelhantes ao ser humano. Não sei exatamente quando desenvolvi esta atração pelos nossos primos primatas. Desconfio que foi na minha infância, quando assisti ao filme baseado no romance do escritor francês Pierre Boulle, La Planèt des Singes (O Planeta dos Macacos), escrito em 1963. O livro conta a história de três astronautas humanos que fazem uma viagem exploratória numa nave espacial. E, a partir de uma mensagem encontrada à deriva no espaço, chegam ao planeta Soros (irmã, em latim) cujas características em muito se assemelham às da Terra. Logo descobrem que neste planeta os grandes primatas são a espécie inteligente, civilizada e dominante, enquanto os humanos são reduzidos ao estado de animais selvagens.
Boulle escreveu a narrativa após muito observar as "expressões humanizadas" de gorilas no zoológico de Paris. A primeira versão do filme foi um estrondoso sucesso. Ainda criança, no inicio dos anos 1970, lembro de ter ficado impressionado com as cenas em que os agressivos gorilas (policiais e soldados) caçavam e aprisionavam os humanos.
O orangotango é o único animal que comprovadamente tem a capacidade de transmitir informação sobre algo que aconteceu no passado. Ou seja, tem memória.
Dentre os macacos, existe uma espécie que me desperta ainda mais atenção e curiosidade. Trata-se do orangotango. Caracterizado pela pelugem marrom-alaranjada, o orangotango possui longos e poderosos braços (muito mais compridos do que as pernas) que permitem o fácil movimento pelos galhos das árvores, apesar do peso de até 75 kg. Trata-se do maior mamífero arbóreo do planeta. É original das florestas tropicais da Malásia e Indonésia e, atualmente, corre risco de extinção.
O que o destaca dos outros grandes primatas não é o porte e a força do gorila, nem mesmo a agilidade do chimpanzé. Mas, sim, a sua inteligência. A palavra orangotango, não por acaso, significa em malaio "pessoa da floresta". A espécie possui 96,4% dos genes humanos e é reconhecida por ser muito inteligente. Lembro de um episódio no zoológico de Buenos Aires, há muito anos. Não obstante ser proibido alimentar os animais, as pessoas arremessavam comida para o orangotango que, não só comia, mas também fazia gestos "humanos" com as mãos pedindo mais. Foi uma cena que observei por horas e nunca esqueci.
O orangotango é o único animal que comprovadamente tem a capacidade de transmitir informação sobre algo que aconteceu no passado. Ou seja, tem memória. Na presença de predadores, a fêmea silencia e se afasta com o filhote, sem chamar a atenção. Minutos depois, já em segurança, ela faz o alerta ao resto do bando sobre o perigo iminente.
Costumo ficar um bom tempo observando os orangotangos. Dentre todos os animais do zoológico, tenho a vívida sensação de que eles têm algum tipo de consciência de que não estão no lugar em que deveriam estar. Sinto que, por isso, parecem ser os animais que mais sofrem por estar no cativeiro. É triste.
Voltando à minha angustia infantil com os gorilas soldados de Boulle, já não acredito mais na tese de que um dia a raça humana poderá ser dominada por macacos. Hoje, já bem mais maduro, tenho a consciência de que a grande ameaça à humanidade, na realidade, é a própria humanidade.
(*) Empresário e fundador do mbinitiative.org