O pai atual vai além do provedor da casa e daquele que deseja ser o melhor amigo. É alguém, segundo especialistas, que diz não em alguns momentos, sim em outros, que elogia, demonstra interesse, conversa, que está mais presente e, principalmente, pronto para escutar os filhos.
Segundo a psicóloga Simone Zaffari, especialista em terapia cognitivo-comportamental e sistêmica de casal e família, os tempos mudaram, assim como as crianças e os pais.
— A criança de hoje nasce com acesso rápido à informação, consegue expressar com muito mais facilidade e rapidez as suas necessidades. E o pai de hoje, que também têm mais acesso à informação, está aprendendo a ser pai junto com esta criança, de acordo com o seu desenvolvimento. E ele está preocupado em ajudar a transformar esta criança num adulto independente, que vai atrás dos seus desejos e que respeita as diferenças. Isso é uma coisa que a gente não escutava antes (em décadas atrás) — aponta Simone.
Ao saber, por GZH, da história do servidor público federal Douglas Santana Moreira, 38 anos, morador de Porto Alegre, a psicóloga o considerou um exemplo de pai atualizado. Mesma impressão teve a escola onde os dois filhos de Douglas estudam. Por fazer questão de estar presente em reuniões, encontros escolares e decisões que precisam dos familiares, ele teve o nome lembrado pela instituição quando a reportagem pediu um exemplo de pai que demonstra interesse nas atividades dos filhos.
Paulista, Douglas mora em Porto Alegre há dez anos, é casado com a servidora pública estadual Fernanda Martins, 44 anos, com quem está desde 2011, e juntos têm os filhos Leonardo, três anos, e Beatriz, seis anos.
— O meu nascimento como pai foi natural. Fui me tornando no relacionamento com as crianças. E o mundo mudou. O próprio movimento feminista nos abriu os olhos para várias coisas. Inclusive, para igualdades de responsabilidade de criar uma criança — justifica Douglas, que completa:
— Brinco com a minha esposa que faço de tudo e, se desse, amamentava porque parece ser muito legal.
Ainda assim, Douglas enfrenta desconfianças em diferentes situações, como quando levou sozinho a filha ao médico e foi questionado se a mãe da criança não estava junto, quando divide com a esposa o tempo de ficar com os filhos nas festas de aniversário ou, como lembra a própria Fernanda, quando levou sozinho os filhos a uma festa infantil e outras pessoas ficaram surpresas com o ato.
— Em casa, ele sempre se envolveu em tudo, na medida que acho que um pai tem que se envolver, de fato. Não aquele que troca uma fralda da criança, já faz foto, põe no Instagram e a mãe fica agradecendo que ele ajuda. O Douglas é o pai no sentido que a sociedade precisa. É uma pessoa super pacienciosa, atenciosa e gosta de brincar. Do ponto de vista da criança, eu queria ter tido um pai assim — elogia a esposa.
Tempo livre para a descoberta
Como tem um trabalho mais flexível, que lhe permite cumprir as horas em home office, Douglas optou por fazer horários estendidos num único dia para ter mais tempo com os filhos na data seguinte. Tudo combinado com Fernanda, quando ela precisa estar no modo presencial no trabalho dela. E este tempo com os filhos, confessa o servidor federal, não costuma envolver celulares. Pelo contrário, o smartphone chega a ser esquecido num canto da casa enquanto está dedicado às crianças.
— Teve dia de acordar às 6h e trabalhar até 23h para ter o outro dia liberado e ficar com elas. E é tempo livre mesmo, de não saber o que vai fazer. Se as crianças quiserem ver tevê ou brincar são elas que decidirão. O impulso virá delas — comenta Douglas.
E é deste impulso entre os três que acabam surgindo ideias como o acampamento no quarto, com direito a cabaninha no meio da tarde, ou o escorregador de colchões, quando não estão brincando de pega-pega no pátio de casa.
— Aproveito todas as oportunidades que as crianças me dão. Elas nos liberam para fazer muita coisa, como correr no shopping. Se estou com uma criança, aproveito para me divertir também — revela, aos risos, Douglas.
De acordo com a psicóloga Simone Zaffari, o servidor federal faz exatamente o que é aconselhado aos pais da atualidade. Em décadas anteriores, a maior preocupação da paternidade era pagar um bom estudo aos filhos. Não havia outro tipo de troca.
— Não se sentava, não se conversava, não se perguntava como tinha sido o dia da criança, o que ela fez e o que ela não fez. E isso, de alguns anos para cá tem sido muito incentivado para criar conexão com o filho: sentar e conversar com ele, ver o que ele precisa, pedir para contar com quem ele brincou e do que brincou durante o dia, perguntar o que ele comeu na escola e, realmente, participar dos momentos do filho — ensina a especialista.
Dever e honra de cuidar
O modo como cria Leonardo e Beatriz, admite o servidor federal, é totalmente diferente de quando ele foi uma criança. Como o pai, Genésio Barbosa Moreira, 74 anos, era representante comercial e passava dias viajando e, mais tarde, cuidando da própria loja, Douglas tem menos memórias de momentos junto ao pai na infância.
— Do meu tempo para agora, o mundo mudou bastante, inclusive valores. Lembro de quando eu era moleque e queria colocar brinco, mas meu pai não deixou. Hoje, meu filho já pintou as unhas porque ele vê minha esposa e minha filha pintando as unhas, pede para pintar também e vai com as unhas pintadas para a escola — conta Douglas.
E se Douglas lembra do rigor com que foi criado, o pai dele, Genésio, afirma ter vivido tempos ainda mais rígidos na própria infância e adolescência quando, recorda, só podia sair de casa nos finais de semana com aprovação do pai e da mãe.
— Sou de uma família bem humilde, de família de roça e fomos criados numa educação bem rígida. De linha dura. Tentei passar isso para os filhos, mas de forma mais flexível e só exigindo boas notas na escola junto com a mãe dele. O Douglas sempre foi um bom aluno e passou em três (universidades) federais — conta Genésio que, admite, se tornou muito mais leve como avô.
Sobre valores, Douglas e Fernanda decidiram por não seguir o mais comum na hora de registrarem os filhos: primeiro o último sobrenome da mãe e depois, o último sobrenome do pai. Os dois escolheram os sobrenomes que mais gostavam e o de Douglas ficou no meio na assinatura das crianças.
No futuro, Douglas imagina ver os filhos ganhando asas e seguindo seus próprios caminhos. Ponto para ele, aponta a especialista em terapia cognitivo-comportamental e sistêmica de casal e família.
— Os pais, às vezes, falam: "Quero ser amigo do meu filho". E eu digo que amigos ele (o filho) vai ter. Ele precisa, na verdade, de um pai que seja um modelo, que dê o exemplo, que diga não em alguns momentos e sim em outros, que o elogie. E não só o amigo que diga que ele está sempre legal e que tudo que ele faz é bacana — sinaliza Simone Zaffari.
O ensinamento da especialista vai de encontro ao que o Douglas pai pensa:
— Ser pai é uma honra e uma responsabilidade muito grandes, que me engradecem e aprendo muito. É a gente cuidar de alguém que ainda não tem condições de cuidar de si, mas de forma provisória. Acho que os filhos não são nossos. Os filhos são do mundo e a gente tem, durante um tempo, o dever e a honra de cuidar deles. Depois, eles vão.