Na principal avenida de Cachoeirinha, na Região Metropolitana, uma pequena sala no segundo andar de um prédio comercial pode ser considerada uma verdadeira máquina do tempo.
A loja Mundo Numismático abriga cédulas, moedas e medalhas antigas, datadas desde o século 18. Muitos itens à venda por lá são raros e brilham os olhos de colecionadores pelos quatro cantos do país.
O seu dono, Jonas Belé, 37 anos, tem um caso de amor pelas relíquias desde pequeno. Quando era criança, encontrou uma gaveta com cédulas antigas e começou a guardá-las. A coleção virou hobby na vida adulta e, há sete anos, o gaúcho resolveu gravar vídeos para o YouTube falando sobre o tema.
O perfil virou um sucesso e hoje já tem mais de 450 mil inscritos. No Instagram, ele acumula 155 mil seguidores.

Ao longo do tempo, o colecionador começou a receber mensagens de pessoas que assistiam aos seus vídeos questionando se ele venderia algum dos itens que mostrava nas publicações. Foi quando percebeu que ali havia um mercado e largou sua distribuidora de biscoitos para criar a própria loja.
Numismática é, de acordo com o dicionário Michaelis, o “estudo sobre moedas e medalhas de todos os tempos e países”. Mas, para Belé, é muito mais que isso.
— É como se eu fosse trabalhar com o amor da minha vida. Eu nunca considerei um trabalho. Sou um comerciante que não tem só um apego financeiro com isso, o meu apego com as moedas também é muito emocional — explica.
Processo de avaliação
Analisar as moedas que chegam, entender sua história e precificá-las não é uma tarefa simples, então Belé, que também tem uma coleção em casa, conta com algumas ferramentas para ajudá-lo.
Um microscópio digital que amplia a visualização de objetos em até 1 mil vezes, paquímetro, luvas e catálogos com os valores. Todos os itens ficam em sua bancada na hora de realizar a minuciosa avaliação.
— Creio que todo mundo tem um lugar em que não sente dor. Se está passando por um problema, vai lá fazer uma costura, ou algum outro hobby, em que não lembra das dificuldades, onde esquece do mundo. E as moedas são esse espaço para mim. Eu passo quatro, cinco horas analisando alguma e, quando olho no relógio, penso: nossa, achei que só tinham se passado 10 minutos — descreve Jonas.

Antigas, nem sempre raras
E para quem pensa que basta a moeda ser antiga para que seja considerada rara — e valha bastante — Belé explica que não é bem por aí. Existem diversas variantes para que um item numismático custe mais caro. No caso das moedas, as principais são a quantidade de cunhagens e o estado de conservação da peça.
Cunhagem é o processo que grava os desenhos nas faces das moedas. É realizado na Casa da Moeda do Brasil, fundada em 1694, durante o Brasil Colônia, e que atualmente fica na zona oeste do Rio de Janeiro. Quanto menor a quantidade de moedas daquele tipo específico cunhadas, mais raras elas são, portanto, valem mais.
Além disso, existem alguns tipos de indicadores de conservação das moedas. Entre eles estão, em ordem: MBC (muito bem conservada), SOB (soberba), que ainda tem o brilho da cunhagem, e FC (flor de cunho), impecável.
Para contabilizar todas essas variações, os catálogos são uma parte muito importante do trabalho. Existem diversos disponíveis no mercado. Um dos que Jonas usa é o Livro das Moedas do Brasil, que precifica moedas desde 1643 até 2024.
Pequenas variações das moedas são apresentadas nesses livros. A quantidade de ramos de uma planta que aparece em alguma, variações no cabelo do monarca representado, tudo isso é contabilizado e organizado.
Sentimentos
Por serem itens, normalmente, antigos, muitos dos que Jonas recebe em sua loja têm intenso valor sentimental para os clientes. O comerciante conta que pessoas já o procuraram querendo vender moedas que eram de seus avós por um preço caro, mas que não valiam tanto. Ele aconselha:
— O colecionador não compra sentimento. Eu não posso pagar na tua moeda R$ 2 mil, porque tu tens um sentimento que é do teu avô. Ela no mercado vale R$ 100. Nesse caso, tem que guardar. Guarda e não vende por dinheiro nenhum.
Rainha Maria I

Uma das moedas mais valiosas que Jonas possui na Mundo Numismático tem o rosto da rainha Maria I, de Portugal. A rainha governou o país entre os anos de 1777 e 1815, e o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves de 1815 até sua morte, em 1816.
Porém, em 1792, seu filho dom João VI assumiu como príncipe regente do reino, pois a governante estaria apresentando sinais de transtornos mentais. Por isso, ela foi apelidada de “A Louca”.
É importante ressaltar que ainda há dúvidas entre os historiadores sobre a “loucura” da rainha. Diversos especialistas relacionam esse rótulo com o machismo e a tentativa de deslegitimação feita pela oposição na época.
A moeda de Jonas é de 1796 e é a terceira que foi cunhada com o rosto da monarca. Em 1783, as moedas continham o busto de Maria I, junto com o de seu marido, Dom Pedro III.
A partir de 1786, depois da morte de seu cônjuge, as moedas foram cunhadas com a rainha utilizando um véu de viúva. Já a que Jonas tem em sua loja contém Maria I utilizando um véu toucado.
O valor desse exemplar varia entre R$ 7 mil e R$ 12 mil.
O histórico Patacão

Outra peça que brilha os olhos dos colecionadores é o famoso patacão. De acordo com o comerciante, o contexto em que essa moeda foi cunhada – ou melhor, recunhada – é o da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808.
Quando chegaram aqui, Jonas conta que uma das moedas que circulava informalmente pela colônia era o 8 reales espanhol. Para padronizar e legitimar sua chegada, dom João VI mandou recolher todos os 8 reales para recunhá-los.
Na época, circulavam oficialmente moedas feitas no Brasil de 80, 160, 320 e 640 réis. O 8 reales valia, em média, 750 réis.
Ao recolhê-las, a Corte recunhou as moedas com o valor de 960 réis (o que correspondia a três patacas, ou, como ficou conhecida, a um patacão).
A moeda que Jonas tem é de 1825. Com a lupa, ainda é possível ver os resquícios da moeda base. Um patacão vale de R$ 500 a R$ 100 mil. O exemplar que Jonas possui custa cerca de R$ 1,5 mil.
*Produção: Elisa Heinski