Inaugurado no dia 6, em endereço nobre (a Avenida Paulista, em São Paulo), a Japan House tem um objetivo: apresentar ao Brasil um Japão contemporâneo, diferente daquele que as primeiras levas de imigrantes trouxeram para o Brasil – e que, como representação estagnada no tempo, segue sendo a referência dos brasileiros do que seria o país do extremo Oriente. ZH escalou a estudante de Jornalismo e assistente de conteúdo Jéssica Nakamura para visitar o empreendimento de R$ 100 milhões e falar sobre esse país distante que nós apenas achamos que conhecemos tão bem.
Arigatô, sayonara! Graças ao grupo de axé É o Tchan!, essa foi uma das frases que eu e a grande maioria dos descendentes de japoneses mais ouvimos desde o lançamento do hit Ariga Tchan, em 1998. Dos meus sete aos atuais 26 anos, estranhos de diversas idades e classes sociais se sentiram – e ainda se sentem – no direito de lançar esse e outros bordões em minha direção. Em geral, acompanhado de olhos puxados para os lados pelos dedos indicadores e uma reverência temperada com o riso típico de quem não se dá conta de quão ofensiva é a piada – ou, pior, do quanto ela machuca.
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Mas, de todos os absurdos com os quais lido todos os dias, o que mais me afeta é a clássica pergunta: "Você é o quê? Nissei, sansei ou não sei?". Incomoda não só pela chacota, mas, sobretudo, porque, embora eu saiba que sou sansei (neta de japoneses, parte da terceira geração), não faço a menor ideia de onde me localizar no mapa metafórico das culturas e etnias, deixando minha resposta mais próxima da terceira opção.
Há cerca de 90 anos, meus avós dos dois lados (tanto os paternos Nakamura quanto os maternos Michida) embarcaram em um navio rumo a uma nova vida em uma terra de oportunidades, com a promessa de que veriam dinheiro nascer em árvores. O desfecho da imigração japonesa ao Brasil não foi como esperado, especialmente durante a II Guerra Mundial, deixando de legado um preconceito irracional contra os descendentes e uma constante crise de identidade. Nossa personalidade, nossos hábitos alimentares, nossos tiques, nossa comunicação, tudo é influenciado pela cultura dos dois países na intersecção dos quais nós, nikkeis (palavra japonesa para os descendentes), nos encontramos. Mas, ao mesmo tempo, é como se não pertencêssemos a lugar nenhum. No Japão, somos vistos como brasileiros. No Brasil, somos vistos como japoneses.
Ironicamente, foi esse conceito pré-concebido que me colocou a bordo de um voo com destino a São Paulo, meu Estado de origem, para conhecer de perto a Japan House, um empreendimento milionário do governo japonês na Avenida Paulista – e, de quebra, tentar fazer com que essa mistura seja compreendida da melhor forma.
Para além dos clichês usuais
– Deixa eu te perguntar uma coisa: às vezes as pessoas te olham na rua como se fosse um ET? – perguntou-me certa vez a secretária da Associação da Cultura Japonesa em Porto Alegre, quando fui me matricular em um curso do idioma, em 2013, logo que me mudei de São José dos Campos para Porto Alegre. Era exatamente assim que eu me sentia ao chegar ao Rio Grande do Sul.
Quatro anos depois, no hotel paulistano em que fiquei hospedada para esta pauta, me vi do outro lado da lente ao dividir o elevador com nikkeis argentinas. Passei a segunda-feira inteira me espantando com a quantidade de rostos orientais que via por todos os lados. No dia seguinte, no café da manhã, outra surpresa: depois de encher o prato de cacetinho, ovos mexidos e presunto, olhei para o lado e vi um bufê inteirinho baseado no desjejum japonês. Arroz quente, ovo cru, shoyu, conservas de vegetais diversos, peixe cozido, missoshiro e chá verde dividiam espaço com croissants, granola e frutas diversas no restaurante do hotel.
Nenhuma novidade, considerando que eu estava na maior comunidade japonesa do mundo fora do Japão – motivo pelo qual São Paulo foi escolhida para sediar a primeira unidade da Japan House, que, ao contrário do que se espera, não é só um centro cultural, muito menos apenas uma galeria de arte. Depois daqui, Londres e Los Angeles também ganharão suas "casas do Japão".
Localizado no número 52 da Avenida Paulista, o empreendimento combina também tecnologia e negócios, funcionando como uma ponte entre o Brasil e o Japão contemporâneo. O objetivo: desconstruir a imagem que imigrantes como os meus avós trouxeram do país no século passado e apresentar aos brasileiros o Japão dos dias de hoje.
– Inauguramos um marco fértil na relação entre o Brasil e o Japão e um novo modelo de instituição de intercâmbio cultural. Seremos um braço estendido para colaborar com toda troca que beneficiará as duas nações – explica Angela Hirata, presidente do empreendimento.
Na casa de 2,5 mil metros quadrados, o arquiteto japonês Kengo Kuma imprimiu sua marca registrada: o uso de materiais naturais em releituras de técnicas e elementos tradicionais das construções de seu país de origem, a começar pela fachada construída pelo encaixe de réguas de hinoki, uma madeira nipônica resistente – a resistência, aliás, é uma característica marcante do povo japonês. No segundo andar, um restaurante em que o cream cheese não chega perto do sushi (um crime culinário tão grave quanto gourmetizar o chimarrão) divide espaço com exposições selecionadas pelo curador Marcello Dantas.
A primeira dessas mostras é sobre o bambu, recurso natural renovável e sustentável que existe em abundância no Brasil, embora seu potencial não seja totalmente explorado pelos ocidentais.
– O bambu não é um ícone de identidade para o Japão como o é a folha de maple para o Canadá, por exemplo. Mas tem uma presença silenciosa, de respeito, de que nem os japoneses se dão conta. Assim como eles, o bambu é forte, resiliente, e carrega consigo uma força e uma espiritualidade. E não é estrangeiro ao Brasil. A diferença é que, enquanto o Japão tem cerca de 5 mil usos catalogados do bambu, o Brasil tem, a rigor, um só: a vara de pescar – conta Dantas.
Somam-se a isso um salão para eventos e workshops (ajudando a fomentar contatos, conhecimento e novos negócios), um café com doces japoneses como bolo de matcha e choux cream (o queridinho do momento) e um espaço multimídia com cerca de 1,9 mil livros de assuntos que variam de viagens a crianças e duas lojas.
No térreo, a Japan Madoh oferece alimentos, bebidas e produtos de arte e design trazidos do outro lado do mundo. No primeiro andar, a Furoshiki divide a arte de dobrar lenços e transformá-los em diversos tipos de bolsa. Mas a minha parte preferida foi a estrutura circular de bambu que fica logo na entrada do estabelecimento. Após tirar os sapatos, conforme manda a tradição, o visitante pode entrar na inesperada sala de cinema e se deitar no tatame para assistir ao longa-metragem de animação O Conto da Princesa Kaguya, cedido pelo Studio Ghibli (o mesmo do premiado A Viagem de Chihiro), projetado diretamente no teto. A entrada na Japan House é franca – são cobrados apenas os workshops.
Tudo isso custou ao governo japonês R$ 100 milhões. Atingindo a marca de 7,3 mil visitantes no fim de semana de sua abertura oficial ao público e levando brasileiros ao Parque Ibirapuera para assistir a dois gigantes da música japonesa – Jun Miyake e Ryuichi Sakamoto, que compôs um álbum inteiro na casa de seu ídolo Tom Jobim –, o empreendimento não parece estar tão longe de alcançar o seu objetivo: fazer o visitante se sentir um pouco mais perto do Japão do século 21.
De volta aos velhos conflitos do dia a dia
Quando coloquei a mochila nas costas e parti de volta à minha terra natal, na ida a São Paulo, pensei que iria me reencontrar e me sentir em casa. Mas, para minha surpresa, nunca me senti tão distante dela. O que pensei que fosse experienciar no contato com o meu lugar e o meu povo de origem só pôde ser sentido quando abri a porta do apartamento que alugo no bairro Santana e fui devidamente recebida com miados famintos e saudosos pelos meus dois gatos, que também materializam meu conflito identitário: uma tem nome japonês (Maru, que significa "bola") e o outro foi batizado em homenagem a um célebre gaúcho (Olívio).
Foi só aí que eu me dei conta de que o meu lar, agora, é Porto Alegre – e o Rio Grande do Sul. Ao menos por ora. Afinal, minhas raízes são japonesas e meu tronco é paulista, mas meus galhos não cansam de se expandir e tatear novos horizontes por onde florescer.