
— Acho muito importante o idoso ter direito à meia-entrada. Porque, quando a gente se aposenta, o salário diminui, mas os gastos com remédios aumentam — explica a aposentada Maria Inês Carvalho Duarte, 71 anos.
Moradora do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, ela é frequentadora assídua de eventos culturais. Shows, peça de teatro, museus e, principalmente, cinema. Todo domingo, ela e duas amigas, também na faixa dos 60+, fazem uma caminhada pelo bairro Moinhos de Vento, sentam-se para tomar um café e, depois de descansarem, partem para ver um bom filme. Um programão.
Porém, tal rotina só é possível por conta do benefício assegurado pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), o qual determina que pessoas com 60 anos ou mais têm direito à meia-entrada em eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer. Ou seja, o valor do ingresso deve ser reduzido em 50% em relação ao seu preço cheio.
Para usufruir do desconto, basta o idoso apresentar um documento oficial com foto no momento da compra das entradas. Valem como comprovante, por exemplo, a carteira de identidade (RG), a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o passaporte. Em alguns estabelecimentos, a cota destinada para a meia-entrada é de 40% do total de ingressos, prevista em lei — ou seja, caso toda esta fatia seja vendida, o local pode negar. Porém, existem espaços que não colocam tal delimitação.
O recurso, apesar de ser fundamental para fomentar a cultura para o público idoso, ainda possui alguns outros complementos previstos em lei — apesar de não serem tão conhecidos — para assegurar uma boa experiência para as pessoas 60+ em eventos. E é necessário este olhar, visto que é uma parcela significativa da população. De acordo com o Censo Demográfico de 2022, o Rio Grande do Sul tem o maior percentual de 60+ entre os Estados brasileiros — 20,15%.
O Estatuto do Idoso
Segundo o advogado especialista em Direito de Família e Sucessões Kevin de Sousa, o Estatuto do Idoso ainda exige que os espaços culturais, além da meia-entrada, ofereçam outros direitos considerados fundamentais, como a acessibilidade física. Rampas, elevadores, banheiros adaptados e mais.
— É preciso, muitas vezes, de assentos preferenciais reservados, porque alguns idosos possuem dificuldade de locomoção, ou até mesmo de visualização do espetáculo. Isto também está previsto na legislação. Também temos a questão do atendimento prioritário nas bilheterias e a entrada deveria ter um acesso exclusivo — explica Sousa.
E estas são justamente algumas reclamações feitas pelos pacientes de Simone Bracht, 55, psicóloga gerontóloga e coordenadora do Núcleo Longevidade do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (Cefi). De acordo com ela, quando os idosos que a procuram conseguem acessar o evento cultural, muitas vezes, encontram acomodações não muito bem pensadas para receber o público com mais idade.
— A pessoa já usa uma bengala, tem uma dificuldade maior de locomoção, mas continua ativa, querendo ir a um show, deslocar-se. Mas, para chegar até lá, existem degraus, tapetes, que prejudicam o deslocamento. Em alguns estabelecimentos, por exemplo, falta uma cadeira mais confortável para uma pessoa 60+. O mercado da cultura, do entretenimento, ainda deixa a desejar em alguns pontos — afirma Simone.
Maria Inês concorda. Segundo a aposentada, mesmo não tendo ela mesma uma dificuldade de locomoção, observa que alguns estabelecimentos ainda precisam expandir a sua abrangência para atender melhor aos idosos. Ela exemplifica a sua reclamação com o Theatro São Pedro que, apesar de icônico como equipamento cultural, tinha pontos que não eram acessíveis. Escadas e cadeiras desconfortáveis, segundo ela, atrapalhavam a experiência. Isto, agora, deve mudar com a grande reforma pela qual o prédio vai passar.
E, caso algum estabelecimento descumpra as regras previstas em lei, o advogado Kevin de Sousa afirma que o idoso não deve aceitar este tipo de negligência, contando que existe uma série de medidas que podem ser tomadas. Elas podem levar a penalizações que chegam, até mesmo, na suspensão das atividades culturais até que seja feita a regularização, podendo haver reparação por danos morais e, ainda, uma responsabilidade criminal:
— O idoso não está sozinho. Entre os meios cabíveis para se adotar em caso de negligência, o primeiro é o Procon, já que é uma relação de consumo. Além disso, boa parte das cidades possuem uma secretaria de Cultura. Então, é possível fazer uma denúncia por lá também. Ou, ainda, o Ministério Público, a depender do caso, para que se apure uma eventual negligência por parte da casa.

Consumir cultura é saudável
A psicóloga Simone afirma que alguém 60+ estar presente em eventos culturais é, antes de mais nada, saudável. A começar pela questão social, com a pessoa participando ativamente da sociedade. É uma forma de agregar, modificando o cenário do idoso que, muitas vezes, fica em casa, sentindo-se sozinho.
— Também há um desenvolvimento intelectual. Chamamos isso de fator protetivo contra doenças, principalmente as neurológicas, como Alzheimer. Não tem a garantia de que a pessoa que consome cultura não vai ter Alzheimer. Porém, existe, sim, pesquisas que mostram que essas atividades são consideradas protetivas. É como uma atividade física — ressalta a profissional focada em gerontologia.
Em Porto Alegre, dentro da Secretaria Municipal da Inclusão e Desenvolvimento Humano (SMIDH), existe a Coordenação de Direitos da Pessoa Idosa (CDI), a qual pensa em iniciativas para a população 60+ da Capital, além de oferecer atividades culturais para a parcela mais vulnerável.
Busca de direitos
Dentro das iniciativas promovidas pela pasta, existe o programa Se Vira nos 60, que ocorre uma vez por mês. O projeto abrange palestras, apresentações artísticas e rodas de conversa entre idosos e integrantes da rede de proteção aos direitos humanos — inclusive, o encontro mais recente contou com uma da delegada da Pessoa Idosa, Ana Caruso. A ideia é integrar e buscar acolhimento para esta parcela da população.
— No último Se Vira nos 60 que nós tivemos, no começo do mês, a gente recebeu, inclusive, uma denúncia. No final do evento, um senhor se sentiu à vontade de procurar o nosso centro de referência e fazer uma denúncia de uma violação de direitos ele estava sofrendo. Então, é muito importante ter esses espaços para que a gente consiga trazer não só a cultura, mas também a informação — ressalta Mariana Nunes, 33, coordenadora dos Direitos da Pessoa Idosa.
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