
A aposentadoria foi marcada por uma mudança além do esperado na vida de Maria de Oliveira Miranda. Aos 71 anos, em vez do descanso, decidiu enveredar por outro caminho, ainda inexplorado em sua trajetória: iniciar um negócio.
Após uma vida inteira de trabalho com carteira assinada – sendo mais de duas décadas como cozinheira em um hospital –, passou a produzir e vender panos de prato, toalhas de rosto, guardanapos, roupinhas de bebê de tricô e crochê. Os artesanatos são vendidos aos sábados na feira da Redenção, em Porto Alegre.
A decisão foi baseada na necessidade de uma renda extra além da aposentadoria, e no desejo de se manter ativa e saudável. Aos 77, não quer parar – pelo contrário, pensa em expandir. Em meio ao avanço do empreendedorismo 60+ no Brasil ao longo da última década, casos como o de Maria se tornam cada vez mais comuns.
— Fazer as feiras e os artesanatos me faz muito bem. Distrai bastante, ocupa bem o tempo da gente e a cabeça. A gente fica sempre ativa, sempre tem encomendas. Durante a semana, você tem bastante coisas para ver, tem que escolher tecido, comprar linhas. Graças a Deus, as pessoas gostam das minhas coisinhas. Então, é maravilhoso — compartilha.
Empreender por necessidade
Apesar da idade, a idosa ainda não vê limitações, e conta com a ajuda da filha. Neste ano, Maria pretende formalizar o negócio e chegou a se mudar para ter espaço para abrigar um ateliê. O plano é se tornar uma empreendedora, com loja física e mais produtos.
— Quero ser uma boa empresária, produzir cada vez mais, e ter um lugar que seja meu. Eu pretendo fazer isso (expandir), produzir como uma empresa. Sempre aumentando. Se a gente continuar assim, a gente vai longe. E quero ter uma formação melhor dessas questões de empresa — declara.
No Brasil, 13,5% (4 milhões) dos negócios são comandados por pessoas 60+ – número que cresceu 40% nos últimos 10 anos, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de 2023. Homens e brancos ainda são a maioria. Houve melhora na escolaridade, porém, a maior parte ainda possui Ensino Fundamental incompleto.
Em muitos casos, o valor da aposentadoria acaba sendo empecilho pessoal e motivo da decisão de abrir um negócio.
— Hoje a gente vê que o empreendedorismo nessa faixa de idade é muito por necessidade ainda. São pessoas que se aposentaram, que pararam de trabalhar de alguma forma, mas que ainda se sentem ativas e produtivas, e precisam continuar a desenvolver um negócio — afirma Gilvany Isaac, gestora do programa Sebrae Futuridade e responsável pela pauta 60+.
Há uma forte intenção de negócio por propósito e sentido – os empreendedores 60+ acreditam no que vão fazer e querem contribuir para a comunidade e deixar um legado, segundo Gilvany.
No caso de Mário Steffen, 62, a motivação para continuar empreendendo nessa fase da vida é a necessidade de desafios. No ano passado, fundou, com sócios, a Tyr Digital, a partir de outra empresa criada em 2009 e dedicada a soluções para hospitais. A startup localizada no Tecnopuc surgiu da identificação de um problema comum: o sumiço de equipamentos em hospitais. A solução utiliza pequenos dispositivos que podem ser acoplados aos equipamentos para permitir a localização.
O empreendedor enfatiza que a decisão de criar uma nova empresa a esta altura foi natural e baseada na experiência em negócios. O principal desafio, neste momento, é lidar com as diferenças culturais dos mais jovens – sobretudo em relação ao modelo de trabalho presencial, o qual eles aparentam não gostar.
— Preciso de um objetivo, de desafio. Enxergamos um desafio, somos impulsionados a tentar ajudar a fazer com que aquela dor seja solucionada usando tecnologia. Empreender é uma coisa que está no sangue, está no DNA, mas sempre com o pé no chão e planejando, nada de fazer sem minimizar riscos — destaca o CEO da Tyr, que também é professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Os desafios do empreendedorismo 60+
Embora tenham experiência e habilidade e sejam cuidadosos ao tomar decisões, os idosos enfrentam como principais desafios o avanço tecnológico e o entendimento das novas gerações, com resistência nessas relações – questões que precisam ser trabalhadas, ressalta Gilvany.
Por outro lado, ao passo que algumas posições serão substituídas pela tecnologia, outras serão criadas, com mais destaque para as habilidades essencialmente humanas, aponta Sergio Serapião, fundador do Lab60+, movimento para discutir a longevidade e fomentar inovações, e da Labora Tech, startup que busca valorizar a experiência das pessoas mais velhas. Em meio a essa revolução, há demandas emergentes desenhadas para pessoas 60+.
— O grande desafio é se descolar do histórico que vivemos até aqui, de que o papel da pessoa mais velha é se aposentar e se excluir do ambiente de trabalho ou de que o empreendedorismo é algo só de pessoas mais jovens. Temos de entender que o mundo mudou, e que todos podemos ter espaço, mas também entender que esse espaço está em plena transformação. Não é porque eu fui alguma coisa, um engenheiro, um contador, por 20, 30 anos, que eu vou continuar sendo. Certamente eu criei habilidades profissionais e até pessoais que vão me colocar em um lugar novo, porque o mundo está mudando muito rápido — destaca.
O que é preciso saber para começar
É importante olhar para as hard skills (competências técnicas), mas também para as soft skills (competências socioemocionais), de modo a se conhecer e entender se está pronto para se inserir nesse mercado e lidar com essa onda de mudanças, recomenda a gestora do programa Sebrae Futuridade. Além disso, é importante manter conexões e participar de eventos – como o Summit 60+, realizado em Porto Alegre na última segunda-feira (14), no qual Serapião e Gilvany foram palestrantes.
Para quem nunca empreendeu, a dica é pesquisar. Buscar conhecer o negócio – dados, legislação, impostos. Hoje, iniciar um negócio sem saber o que ele representa dentro daquele ambiente gera dificuldades, por mais que haja um grande investimento. Ainda que existam muitas empresas com bons resultados, é preciso entender se o negócio funcionará para você.
Para quem já administrou um empreendimento, um dos fatores importantes no atual momento é a inovação – o mundo mudou, e é necessário mudar junto. O que valia antes se tornou ultrapassado. Por isso, é importante entender os novos negócios e ambientes, bem como as novas gerações. "Quem não se reinventou, não sobreviveu", alerta Gilvany. Nas empresas familiares, muitas vezes, os descendentes se deparam com barreiras como essa.
Antes de tudo, para o empreendimento dar certo, é preciso desenvolver um plano de negócios, que servirá como base.
— Por mais que você conheça e tenha experiência, se você não tiver um bom plano de negócio, tem um risco muito grande de dar errado — alerta Gilvany.
A formalização como Microempreendedor Individual (MEI) oferece uma oportunidade para quem está aposentado, pois o limite de faturamento não acarreta perda dos benefícios da aposentadoria (com exceções, como aposentadoria por invalidez).
Onde buscar ajuda para empreender
Para quem deseja empreender, mas não sabe por onde começar, há diversos caminhos possíveis para buscar orientações. O Sebrae oferece mentorias, consultorias customizadas, cursos de gestão de negócios, de pessoas e finanças, palestras, oficinas e cartilhas de negócios.
A Labora oferece gratuitamente cursos – incluindo empreendedorismo – e processos sobre autoentendimento e sobre o mercado. O sistema forma mão de obra para trabalhar com tecnologia. A plataforma entende as habilidades socioemocionais e técnicas e direciona o usuário. Além disso, indica vagas de contratação direta ou terceirizadas, com clientes já determinados, ajudando o usuário a se tornar microempreendedor.
Outra alternativa é buscar hubs como o Tecnopuc e o Instituto Caldeira – já que, cada vez mais, empreender é uma atividade em rede, e não mais individual, frisa Sergio Serapião.
Cuidado com os riscos
Empreender é para todas as idades, porém, a depender da maneira – como seguir um “jeito típico” –, pode-se estar colocando muito em risco em um momento de necessidade, adverte Serapião. Perder todo o patrimônio aos 65 anos é um problema. É importante tomar cuidado, entender qual é o tamanho do risco que se pode correr e limitá-lo.
Sucesso despretensioso

Na contramão de Maria Miranda, Dimas Moura decidiu parar ao chegar aos 60. Preparou-se financeiramente para sair do mercado de trabalho com uma reserva e investimentos, em busca de uma vida diferente e mais leve.
Ao perceber um gap de conteúdos voltados aos 50+ no mundo dos influenciadores, criou um canal no YouTube para compartilhar suas experiências, novas perspectivas sobre envelhecimento e modos de viver – incluindo mapeamentos de cidades para morar, com o objetivo de gastar menos e garantir um melhor aproveitamento da aposentadoria com maior qualidade de vida.
Após dois anos, porém, o sucesso transformou o que era para ser um hobby em um negócio. Atualmente, aos 67, Moura é um dos maiores youtubers para a geração sênior do Brasil, com 466 mil inscritos no canal Mais 50. Foi a primeira vez que empreendeu – a iniciativa, inclusive, gerou outros empreendimentos, como uma agência de viagens voltada a pessoas 60+, lançada em 2024.
— Na hora que eu me aposentei, pensei, agora eu quero fazer uma coisa que me dê prazer, significado, propósito, então, na hora que eu construí um canal, foi justamente isso, para manter a minha cabeça ativa, independente da parte financeira. Só deu certo por causa disso, porque eu preparei um conteúdo que tinha uma mudança estrutural, de propósito de vida — relata o influenciador.
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