Ao navegar no menu do Amazon Prime Video, encontrei um dos tantos tesouros do cinema estadunidense dos anos 1970: Rede de Intrigas (Network, 1976), que foi premonitório e continua muito atual — se não na forma, pelo menos no conteúdo.
É assinado por Sidney Lumet (1924-2011), um dos grandes cineastas que nunca ganharam um Oscar. Ele foi indicado quatro vezes pela Academia de Hollywood ao prêmio de melhor direção — por este filme e também por 12 Homens e uma Sentença (1957), que levou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, Um Dia de Cão (1975) e O Veredicto (1982). Seu currículo inclui Longa Jornada Noite Adentro (1962), Serpico (1973) e Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007).
Rede de Intrigas disputou o Oscar de melhor filme — perdeu para Rocky, um Lutador (1976) — e conquistou quatro estatuetas: ator (Peter Finch, no primeiro prêmio póstumo entregue pela Academia de Hollywood — ele morreu de infarto, um mês das indicações), atriz (Faye Dunaway), atriz coadjuvante (Beatrice Straight, por apenas cinco minutos de atuação, no papel de uma esposa traída) e roteiro original, escrito por Paddy Chayefsky, que já havia vencido por Marty (1955) e por Hospital (1971). O longa-metragem teve outras quatro indicações — para William Holden, como melhor ator, Ned Beatty, como ator coadjuvante, o diretor de fotografia Owen Roizman e o editor Alan Heim. No Globo de Ouro, faturou as categorias de melhor direção, ator (Finch), atriz e roteiro.
O filme é bastante calcado na palavra, graças aos monólogos e diálogos tão saborosos quanto contundentes, às vezes gritados pelo elenco de um modo que, aos ouvidos de hoje, pode soar artificial. Porém, vale muito a pena prestar atenção ao que os personagens dizem.
O principal alvo de Chayefsky (1923-1981) é o mundo da televisão dos Estados Unidos, naqueles tempos ainda sob a hegemonia dos canais abertos e marcado pela concorrência entre as chamadas Três Grandes: ABC, CBS e NBC. Era também a época em que começavam a ficar borradas as fronteiras entre jornalismo e entretenimento.
Em Rede de Intrigas, na Nova York de setembro de 1975, o diretor de Jornalismo da fictícia UBS, Max Schumacher (personagem de William Holden), é encarregado de demitir seu melhor amigo por causa da baixa audiência do noticiário apresentado pelo veterano Howard Beale (vibrantemente interpretado por Peter Finch). No dia seguinte, Beale abre o programa anunciando, ao vivo e para todo o país, que dali a uma semana vai cometer suicídio na frente das câmeras. É uma alusão nada sutil a um caso então recente, o da jornalista Christine Chubbuck, que se matou em 15 de julho de 1974 durante uma transmissão da atração que comandava em uma emissora da Flórida (Rebecca Hall a encarnou no filme Christine, lançado em 2016 por Antonio Campos e disponível nas plataformas de aluguel).
A partir daí, aos olhos de executivos como o ambicioso Frank Hackett (Robert Duvall) e a inescrupulosa Diana Christensen (Faye Dunaway), Beale deixa de ser carta fora do baralho e se torna a salvação da lavoura, graças a sua metamorfose em Profeta Louco. Ele cria um bordão que logo é adotado pelo público: "I'm as mad as hell, and I'm not going to take this anymore!" (Eu estou muito bravo e não vou suportar mais isso!). Passa a ser a voz do descontentamento contra tudo o que está aí — o desemprego, a insegurança, a Guerra Fria etc. —, uma figura messiânica como muitas que ascenderam ao poder recentemente.
Beale simbolizou a transformação da vida ordinária em espetáculo sensacionalista e antecipou a inclinação do público ao bizarro. O choque entre Schumacher, que desde a primeira cena se perfila como um romântico representante da velha guarda, e Diana, que deseja colocar as ações de um grupo terrorista como atração televisiva, ilustra a vitória do cinismo e a capitulação à dessensibilização — "Guerra, assassinato e morte são, para você, iguais a garrafas de cerveja", ele acusa.
Já o personagem de Ned Beatty, Arthur Jensen, presidente da CCA, a corporação que é dona da UBS, profere um longo monólogo que, apesar de escrito quase 50 anos atrás, parece extremamente contemporâneo. Remete, por exemplo, ao alinhamento de Mark Zuckerberg, dono do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, a Donald Trump, presidente reeleito dos Estados Unidos. A flexibilização das normas de moderação de conteúdo em temas como imigração e gênero nas redes sociais pode ser menos por motivos ideológicos e mais por interesses econômicos. É como um aceno de Zuckerberg a Trump para que a Casa Branca atue contra a regulação das plataformas digitais implementada na Europa.
No filme, Jensen resolve passar uma senhora carraspana em Beale depois que o astro midiático denuncia a compra da CCA por um conglomerado da Arábia Saudita e conclama o povo a pressionar o governo estadunidense para impedir a concretização do negócio. Eis o discurso do personagem de Ned Beatty, no qual as marcas citadas poderiam ser trocadas pelos nomes das empresas de tecnologia, as big techs, que dominam a economia e a sociedade nos dias de hoje:
"Você se intrometeu nas forças primordiais da natureza, Sr. Beale, e eu não permitirei isso! Está claro? Você acha que simplesmente interrompeu um negócio. Esse não é o caso. Os árabes retiraram bilhões de dólares deste país e agora devem devolvê-los! É fluxo e refluxo, lei da gravidade! É equilíbrio ecológico!
Você é um velho que pensa em termos de nações e povos. Não existem nações. Não existem povos. Não há russos. Não há árabes. Não existe o Terceiro Mundo. Não existe o Ocidente. Existe apenas um sistema holístico de sistemas, um domínio de dólares vasto e imenso, entrelaçado, interativo, multivariado e multinacional. Petrodólares, eletrodólares, multidólares, marcos, rins (subunidade do iene, a moeda japonesa), rublos, libras e shekels. É o sistema monetário internacional que determina a totalidade da vida neste planeta. Essa é a ordem natural das coisas hoje. Essa é a estrutura atômica, subatômica e galáctica das coisas hoje! E você se meteu com as forças primordiais da natureza, e você vai se reparar!
Estou conseguindo falar com você, Sr. Beale?
Você aparece na sua pequena tela de 21 polegadas e uiva sobre a América e a democracia. Não existe América. Não há democracia. Existem apenas IBM e ITT e AT&T e DuPont, Dow, Union Carbide e Exxon. Essas são as nações do mundo hoje. Sobre o que você acha que os russos falam em seus conselhos de estado — Karl Marx? Eles obtêm seus gráficos de programação linear, teorias de decisão estatística, soluções minimax e calculam as probabilidades de preço-custo de suas transações e investimentos, assim como nós.
Já não vivemos num mundo de nações e ideologias, Sr. Beale. O mundo é um colegiado de corporações, inexoravelmente determinado pelos estatutos imutáveis dos negócios. O mundo é um negócio, Sr. Beale. É assim desde que o homem saiu do lodo. E os nossos filhos viverão, Sr. Beale, para ver aquele mundo perfeito em que não há guerra nem fome, opressão ou brutalidade — uma vasta e ecumênica holding, para a qual todos os homens trabalharão para servir a um lucro comum, em que todos os homens terão uma parte do capital, todas as necessidades serão supridas, todas as ansiedades serão tranquilizadas, todo o tédio será divertido. E eu escolhi você, Sr. Beale, para pregar este evangelho".
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