Ao espinafrar Matador de Aluguel (2024), refilmagem que ninguém esperava e ninguém precisava lançada no dia 21 pelo Amazon Prime Video, leitores da coluna e seguidores das redes sociais fizeram uma ressalva: gostaram da pancadaria com os personagens do ator Jake Gyllenhaal e do lutador de MMA Conor McGregor. Mas nem as cenas de ação me impressionaram, porque pelo menos dois títulos sul-coreanos, ambos disponíveis no streaming, subiram muito a régua nesse quesito: A Vilã (2017), no Star+ e no Looke, e Carter (2022), na Netflix.
Os dois são dirigidos por Jung Byung-gil, que estreou na carreira fazendo um documentário sobre cinco jovens que tentam se tornar dublês, Action Boys (2008). Os dois trazem cenas de ação que provocam espanto e dúvida no espectador: como eles filmaram isso? Duvido que os atores não tenham se machucado de verdade!
Como filme, no sentido de contar uma história mais instigante e mais desenvolvida, o melhor é A Vilã. Que já começa em ritmo alucinante, a ponto de demorarmos um pouquinho para entender o que está acontecendo, pois a câmera assume a perspectiva de uma pessoa que invadiu um lugar e passa a matar todo mundo que encontra pela frente, ora com arma de fogo, ora com uma faca, ora com o que estiver à mão — ou com as próprias mãos. Toda a violência é, claro, de mentirinha, como em um videogame. Aliás, vem de jogos como Call of Duty e Counter-Strike o estilo primeira pessoa dessa abertura em plano-sequência, que também remete a filmes como Oldboy (2003): a matança no corredor parece ser uma homenagem a esse clássico sul-coreano sobre vingança.
A propósito, A Vilã não tem pudores de exibir suas referências, que não se limitam ao cinema asiático (percebe-se acenos a Kill Bill, de Quentin Tarantino, e à franquia John Wick). A mais notável, e francamente declarada pelo cineasta, é ao filme francês Nikita: Criada para Matar (1990). Byung-gil disse que se inspirou no título dirigido por Luc Besson, ao qual ele assistiu quando tinha 10 anos, para contar a história de Sook-he, uma menina que, após testemunhar o assassinato do pai, acaba treinada para virar uma assassina profissional. Quando adulta, a personagem é interpretada com gana por Kim Ok-bin e, a certa altura, vai ser chamada por outro nome, Chae Yeon-soo.
Falando nisso, convém dar mais um aviso: com trocas de identidade e alternância entre o presente e o passado, a trama de A Vilã pode ser confusa. Se bem que, em parte, essa confusão é intencional: Sook-he tem lacunas na sua memória e está rodeada por personagens que fingem, mentem, escondem quem realmente são. O importante é que, ao ser, digamos, recrutada pela agência de inteligência da Coreia do Sul, a protagonista aceita um acordo que pode lhe dar a liberdade, mas que termina por desencadear lembranças traumáticas e a despertar sua busca por vingança.
No caminho, Sook-he/Chae Yeon-soo vai fazer caírem queixos, tanto os de seus oponentes quanto os dos espectadores, maravilhados por intensas cenas de ação em espaços confinados e por ensandecidas perseguições automobilísticas. Se você estiver no estado de espírito para assistir a um balé sangrento, por vezes a exuberância técnica (que inclui ângulos inacreditáveis e mudanças de ponto de vista em meio às lutas e aos tiroteios) poderá provocar um sorriso ou mesmo uma risada.
Já Carter requer paciência para com uma história rocambolesca longa — 132 minutos! — e boba, com diálogos paupérrimos (quando não confusos) e personagens extremamente superficiais (aí incluída a da brasileira radicada nos EUA Camilla Belle). Também requer estômago para a matança e a brutalidade. Aliás, repare em quantas vezes o sangue falso respinga na tela.
O ator Joon Won interpreta um agente secreto desmemoriado (qualquer semelhança com Jason Bourne não é mera coincidência) que pode estar trabalhando para a CIA ou para a Coreia do Norte. Ele enfrenta um exército de inimigos (à la John Wick) e uma pandemia que transforma as pessoas em zumbis agressivos (uma típica ameaça sul-coreana, como visto em Invasão Zumbi, #Alive e na série Kingdom).
Carter é o que podemos chamar de um filme ruim. Porém, dependendo do seu estado de espírito, da sua boa vontade e de sua tolerância à violência, é um passatempo irresistível, um espetáculo marcante, uma proeza cinematográfica.
Tente não prestar atenção à trama. Vale até avançar o filme nas cenas de diálogo. O que importa em Carter é sua fisicalidade, é sua pirotecnia.
Jung Byung-Gil finge filmar como se fosse um único plano-sequência, à la 1917 (2019), de Sam Mendes, ou Dois Minutos Além do Infinito (2020), de Junta Yamaguchi. Digo "finge" porque os momentos de corte são evidentes, tirando um pouco do charme da proposta.
Pensando bem, charme é uma palavra fora de lugar em um filme que começa com o protagonista, seminu, enfrentando uma horda de homens pelados em uma casa de banho.
Instantes antes, o diretor mostrara a cena mais sofisticada em relação à dramaturgia. Em um quarto de motel, sob a mira de agentes da CIA que o acusam de ter sequestrado o cientista capaz de encontrar uma cura para a pandemia, o protagonista se vira para o jogo de espelhos às costas da cama. Estão ali seis reflexos de Carter, ilustrando sua dificuldade para compreender a própria identidade.
Menos mal que o sujeito tem uma "voz da consciência": por meio de um dispositivo instalado no ouvido, uma mulher o chama de Carter e afirma que ele está em uma missão de resgate do tal cientista e de sua filha, ambos desaparecidos. A partir daí, a câmera vai girar (demais) e drones vão voar.
A coreografia e a cenografia das cenas de ação abraçam o absurdo e o ridículo. Além do massacre na casa de banho, nos minutos iniciais, merecem destaque a alucinante sequência de perseguição motociclística e combates corpo a corpo ambientados em três furgões emparelhados, que começa por volta do 48º minuto; o balé no ar após um desastre aéreo, ali pelos 72 minutos; a subsequente pancadaria em um caminhão carregado de porcos; e o "helicóptero-borboleta", que surge a partir dos 112 minutos, mais ou menos.