Um dos cinco indicados ao Oscar de melhor documentário acabou de estrear nos cinemas de Porto Alegre. Na verdade, em um único cinema, a Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana, e em um único horário, às 18h45min. Trata-se de Trilha Sonora para um Golpe de Estado (Soundtrack to a Coup d'Etat, 2024), do diretor belga Johan Grimonprez.
O filme explora as conexões entre jazz, colonialismo e os bastidores da Guerra Fria, tendo como ponto central o assassinato de Patrice Lumumba (1925-1961). Um dos líderes da independência do Congo, que era uma colônia da Bélgica na África, ele foi eleito primeiro-ministro em 1960, mas ficou apenas 12 semanas no cargo, pois seu governo foi derrubado por um golpe de estado liderado pelo coronel Joseph Mobutu (1930-1997), que rebatizou o país africano de Zaire — denominação empregada entre 1971 e 1997. Hoje, o país africano se chama República do Congo.
O documentário recupera o protesto da cantora Abbey Lincoln e do baterista e percussionista Max Roach, que invadiram o Conselho de Segurança da ONU em 1961 para denunciar o assassinato de Lumumba, crime que teve participação do governo dos Estados Unidos, por causa de sua aproximação com a União Soviética.
Nesse período, artistas negros enfrentavam dilemas entre representar resistência cultural e serem usados como ferramenta de propaganda na Guerra Fria. O diretor Johan Grimonprez afirma: "Os músicos negros enviados à África, como Louis Armstrong, eram usados como isca para encobrir tramas políticas, como o golpe de Estado articulado pela CIA no Congo". Entre os depoimentos, estão os de Nina Simone, Thelonius Monk e John Coltrane, além do próprio Armstrong.
A edição assinada por Rik Chaubet combina imagens de arquivo, performances musicais e gráficos animados que emulam o universo do jazz. O filme recebeu o Prêmio Especial do Júri, por sua inovação cinematográfica, no Festival de Sundance, os troféus de melhor roteiro e melhor montagem da Associação Internacional de Documentários. Grimonprez compete na categoria de documentarista do DGA Awards, a premiação do Sindicato dos Diretores dos EUA.
Na Variety, o crítico Murtada Elfadl elogiou a abordagem não linear e os elementos visuais e sonoros, acrescentando que o documentário combina "a energia de um concerto de jazz com a densidade de um texto acadêmico, desafiando o público a conectar os pontos entre colonialismo, imperialismo e resistência".
É um desafio mesmo: com duas horas e meia de duração, Trilha Sonora para um Golpe de Estado reflete o caráter intuitivo do jazz. Ainda que letreiros apresentem os personagens, o espectador que não tiver feito um tema de casa, estudando sobre o assunto, pode demorar muito a compreender o filme. Eu senti falta de um pouco de didatismo, talvez uma narração que explicasse o contexto da época e algumas das cenas de arquivo reproduzidas.
Dos outros quatro concorrentes ao Oscar de melhor documentário, apenas um já pode ser visto no Brasil: Sugarcane (2024), disponível na plataforma de streaming Disney+. O filme dirigido por Emily Kassie e Julian Brave NoiseCat retrata a investigação sobre abusos e crianças desaparecidas em uma escola indígena no Canadá.
Completam a lista de indicados No Other Land (2024), de Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor e Hamdan Ballal, que mostra a destruição de Masafer Yatta (um conjunto de aldeias palestinas) por soldados israelenses na Cisjordânia ocupada e a aliança que se forma entre o ativista palestino Basel e o jornalista israelense Yuval; Diários da Caixa Preta (Black Box Diaries, 2024), de Shiori Ito, jornalista japonesa que em 2017 tornou público o fato de ter sido estuprada pelo biógrafo do então primeiro-ministro Shinzo Abe; e Porcelain War (2024), de Slava Leontyev e Brendan Bellomo, sobre a experiência de artistas ucranianos enquanto enfrentam a invasão russa no seu país. Esses três títulos ainda não têm data de lançamento no Brasil.
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