Entra em cartaz nesta quinta-feira (30) nos cinemas uma comédia dramática que chegou a frequentar as listas de apostas para o Oscar de melhor filme, mas infelizmente acabou indicada pela Academia de Hollywood apenas nas categorias de ator coadjuvante (Kieran Culkin) e roteiro original: A Verdadeira Dor (A Real Pain, 2024), escrita e dirigida por Jesse Eisenberg.
Concorrente ao Oscar de melhor ator por A Rede Social (2010), no qual interpretou o jovem Mark Zuckerberg, o nova-iorquino Eisenberg, 41 anos, estreou como cineasta com Quando Você Terminar de Salvar o Mundo (2022), título disponível nas plataformas digitais de aluguel. O novo filme nasceu de suas inquietações pessoais. De origem judaica e com ascendência polonesa, o diretor afirmou em entrevista ao jornalista Bailey Pennick, durante o Festival de Sundance de 2024, que há 20 anos vem lidando com a seguinte questão:
— Como posso conciliar os meus desafios diários modernos com o trauma histórico dos meus antepassados? Isto é, como poderia eu me sentir mal com a minha vidinha diante das lembranças dos sobreviventes de um horror global? E quanto mais eu lutava com essa pergunta, mais eu me punia por perguntar isso.
A história de A Verdadeira Dor permitiu a Eisenberg confrontar dores contemporâneas, como ansiedade e depressão, com os traumas da Segunda Guerra Mundial. Na trama, ele acompanha dois primos judeus dos dias de hoje que viajam de Nova York à Polônia para visitar a casa de infância de sua falecida avó enquanto fazem um roteiro turístico ligado ao Holocausto.
O próprio Eisenberg interpreta David Kaplan, um marido e um pai tímido, prático e certinho, portanto bastante incompatível com Benji, absolutamente extrovertido (puxa papo com a funcionária que opera o Raio X no aeroporto, por exemplo), irritantemente folgado (a ponto de "roubar" as castanhas e o assento do primo no avião) e aparentemente sem rumo na vida (não trabalha nem tem algum relacionamento amoroso). Benji é também um sujeito oscilante, entre o adorável e o detestável: em um momento, pode ser cômico e gregário, no outro, sua franqueza amarga pode aniquilar o clima de uma mesa. A ambiguidade do personagem é o coração de Uma Verdadeira Dor, um filme que consegue se equilibrar entre o irreverente e o comovente, entre o doloroso e o caloroso.
Benji já valeu o Globo de Ouro de ator coadjuvante e indicações também ao Critics Choice (dos críticos estadunidenses e canadenses de rádio, TV e internet), ao Bafta (da Academia Britânica) e ao SAG Awards (do Sindicato dos Atores dos EUA) para Kieran Culkin. Também nova-iorquino e da mesma geração de Jesse Eisenberg (tem 42 anos), o vencedor do Emmy de melhor ator em série dramática pela temporada final de Succession (2018-2023) não era a primeira escolha de Jesse Eisenberg para o papel. Na verdade, o diretor queria encarná-lo, mas foi desaconselhado pelos produtores — não deveria assumir um personagem desequilibrado tendo de, ao mesmo tempo, comandar e controlar o elenco e sua equipe técnica. Ainda assim, Eisenberg "pensou 17 mil vezes", como contou ao site Vulture, antes de aceitar a dica de sua irmã e entregar um personagem judeu a Culkin, que vem de uma família católica com origem irlandesa.
De volta à trama: ao chegarem a Varsóvia, os dois primos integram-se a um grupo que guiado por um afável e compreensívo britânico, James (Will Sharpe, da segunda temporada de The White Lotus). Os demais participantes são um casal de aposentados, Mark e Diane; uma mulher de 60 e poucos anos recentemente divorciada, Marcia (Jennifer Grey, estrela de Dirty Dancing, de 1987); e um sobrevivente do genocídio em Ruanda, em 1994, que se converteu ao judaísmo, Eloge (Kurt Egyiawan, visto nas séries A Casa do Dragão e The Agency).
Os passeios e as interações revelam mais sobre a personalidade de todos os turistas e convidam a reflexões sobre família, luto, religião, saúde mental, conexões emocionais, herança cultural e memória coletiva — sobre como lidamos com o passado e a História. Os diálogos são primorosos, não raro incisivos. Observe, por exemplo, a cena em que Benji se sente muito desconfortável por estar acomodado na primeira classe de um trem e pede ao primo para trocarem de vagão:
— Cara, somos judeus em um trem na Polônia. Pense nisso. Alguém mais está com essa sensação bizarra? Parece que somos realeza neste trem. Ninguém mais vê a ironia? Toda essa comidinha chique, quando há 80 anos seríamos amontoados no fundo dessa coisa como gado!
— Benji, acho que ninguém quer ouvir isso agora — Marcia repreende.
— É deprimente — acrescenta David.
O guia James comenta:
_ Você levantou um assunto delicado. Acontece nessas excursões. Vocês estão hospedados em hotéis de luxo, comendo comidas requintadas, e, ao mesmo tempo, revisitando os horrores da história de sua família. Isso pode evocar sentimentos confusos de desconforto e discordância, e, ouso dizer, até uma certa culpa.
— Eu não sinto culpa _ protesta Mark. — Por que sentiria?
— Porque nossas vidas são cheias de mimos e privilégios — afirma Benji, retomando a palavra. — Nós nos desconectamos da verdadeira dor dos outros. Como a experiência de ser enfiado num vagão e esmagarem sua cabeça.
O trabalho cuidadoso de Jesse Eisenberg em balancear comédia e drama em A Verdadeira Dor não se limita ao texto do roteiro e à interpretação dos atores. Estende-se à ambientação, que inclui a trilha sonora quase toda composta por peças para piano do polonês Frédéric Chopin (1810-1849), executadas pelo pianista israelense-canadense Tzvi Erez, e a direção de fotografia do também polonês Michal Dymek — o mesmo de A Garota da Agulha (2024), título que representa a Dinamarca no Oscar de melhor filme internacional. Se a música de Chopin empresta melancolia, Dymek oferece um contraste.
— Queria que a representação da Polônia em geral fosse bonita, dinâmica e colorida e todas as coisas que sinto quando estou lá — disse o diretor de fotografia em reportagem de Alex Jhamb Burns para a revista de turismo Condé Nast Traveller. — Sinto que é muitas vezes retratada como sombria, fetichizando os horrores da Segunda Guerra Mundial e a história comunista-soviética do Leste Europeu. Essa não é a Polônia que conheço. A Polônia que conheço é vibrante, colorida e quente.
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