
O ex-presidente Joe Biden desistiu de concorrer à reeleição nos Estados Unidos porque levou uma surra no primeiro debate com Donald Trump. Os lapsos de memória e a lentidão de raciocínio foram interpretados como sinais de senilidade e os democratas trataram de substituí-lo por Kamala Harris, uma mulher boa de debate, rápida nas respostas e equilibrada nas ações.
Não adiantou. A batalha já estava perdida. Trump ganhou prometendo fazer o que está fazendo, mas os próprios eleitores dele acharam que blefava.
Com as confusões que criou nestes primeiros meses de mandato, Trump passa impressão de que é ele o senil, um Napoleão fora de época. O tarifaço amplo, geral e irrestrito veio depois de medidas duras contra imigrantes — uma das suas principais bandeiras — e de atritos com vizinhos, como o pacífico Canadá, que o presidente quer anexar aos Estados Unidos. Uma balela, já que ele pode estar com alguns sinais de demência, mas sabe que não há hipótese de o Canadá deixar de ser um país soberano para virar mais um Estado americano.
Nesta terça-feira (8), as bolsas de valores mundo afora começaram o dia recuperando perdas da véspera. Pelo fuso do horário, os principais mercados da Ásia fecharam o dia em alta, mas os que estavam em operação quando venceu o prazo dado à China para desistir da tarifa de 34%, definida como “olho por olho, dente por dente” desabaram. O Brasil, que nem está entre os mais taxados, sofre com o efeito cascata. E o dólar, que vinha aos poucos voltando ao seu leito, explodiu de novo.
O que estarão pensando os patriotas brasileiros que usaram o boné com a expressão “America First” ou “Make America Great Again”? Por certo devem estar achando que Trump está certo e que o resto do mundo deve se dobrar ao senhor do raio e do trovão.
Ao aplicar uma nova taxa sobre os produtos chineses, que agora soma 104%, Trump espera que a China se renda, sem considerar que a potência asiática tem armas para enfrentar a guerra comercial. A principal delas é a mão de obra, abundante e barata, coisa que os Estados Unidos não têm e não poderão mais suprir com os imigrantes.
O líder chinês Xi Jinping joga xadrez com os outros parceiros comerciais também sobretaxados e que podem ampliar suas compras e suas vendas. Trump joga poker e boliche. Blefou para forçar uma negociação favorável aos Estados Unidos e perdeu a rodada. Foi para o boliche e fez um strike. Pode ganhar ali na frente? Até pode, mas a que custo, se houver a combinação de inflação alta com recessão?
O Brasil, até aqui, vem mantendo a serenidade que é uma das marcas da diplomacia do Itamaraty. O presidente Lula tem medido as palavras porque sabe que os Estados Unidos são um parceiro comercial importante e porque a tarifa de 10% não é nenhuma aberração.
Trump está esquecendo as lições de Maquiavel — ou nunca leu O Príncipe: comprou briga com todos ao mesmo tempo e corre o risco de perder aliados históricos e ficar com Vladimir Putin de um lado e Benjamin Netanyahu do outro, porque apoiam seus delírios e desprezam os organismos internacionais criados para mediar conflitos.
ALIÁS
Como se não bastassem as medidas tresloucadas de Trump, a soberba e a ignorância de J. D. Vance, que chamou os chineses de "camponeses", ajudam a agravar a crise diplomática. Não que camponês seja uma ofensa, mas a China é um país altamente industrializado, que fabrica de tudo e não tem nada de amador.