— Quando é que morre a infância?
— Como assim, Mugnol?!
— Tava pensando nisso, dia desses...
— A infância nunca morre.
— Claro que morre.
— Eu quero dizer que a gente pode ser sempre criança.
— Ser infantil não tem nada a ver com a permanência da infância.
— Podemos ser crianças mesmo com 70, 80 anos, sei lá.
— Minha tese (sic) é que a infância morre quando a ingenuidade entra em colapso.
— Como assim, meu?
— Então, é só uma viagem... Mas, pra mim, a ingenuidade é tipo o cordão umbilical da infância. Quando rompido até o olhar da gente muda.
— Ah, tu falas de uma inocência e de uma pureza de quando éramos crianças?
— Também, mas não só isso. Sabe aquelas bolinhas de sabão? Então, crianças e adultos se divertem com isso. Reside aí uma certa pureza, uma inocência que brota da frivolidade. E, aliás, isso até poderia ser o tema de uma crônica. Vou pensar melhor sobre isso, risos.
— Vou pedir mais uma taça de vinho, queres também?
— Quero. Obrigado.
— Continua aí, tô curtindo tua viagem...
— Quando eu falo da morte da infância pelo colapso da ingenuidade eu me refiro a essa ingenuidade mais como uma estratégia de defesa, sabe!?
— Como assim (risos)? Estratégia de defesa...
— Cara, lembra quando a gente ficava furioso no colégio só porque nosso time tava perdendo em um jogo na educação física?
— Hahahahaha, sim, claro...
— Então, éramos uns piás bem educados pelos nossos pais e alunos que se comportavam bem em sala de aula. Eu tinha medo de ser repreendido pela professora, que me levaria pra coordenação ou assinaria minha agenda.
— Só se era na primeira série, né?!
— Sério, meu. Toda essa autodefesa era fruto da nossa inocência. Só que tudo isso sumia quando a raiva se impunha, a ponto de desejarmos quebrar a pau nos nossos colegas só porque estávamos perdendo o jogo que não valia nada.
— Como não valia?! Valia a nossa honra! (risos).
– Cara, voltei a pensar nisso, 40 anos depois, porque essa fúria sempre esteve ali, escondida atrás da máscara da ingenuidade. E, por causa da raiva, e quantas vezes a gente não brigou por causa de futebol no colégio, isso me soa hoje em dia como sendo o estopim do colapso dessa defesa interior, que resultou logo mais na morte da nossa infância.
– Cara, não sei de onde tu tira essas ideias (risos). Mas parece que faz sentido.
– Pois é, outro dia a gente termina essa história. É cedo, mas vão fechar a bodega.
— Acho que a gente poderia falar da morte da boemia. Isso, sim, é um problema grave.