
Não pude me despedir do querido Ricardo Chaves, o Kadão, o maior fotógrafo com quem convivi nesta já longa vida de jornalista. No dia em que os amigos e a família foram velar seu corpo no Crematório Metropolitano, eu estava a poucos metros dali, no Angelus, na despedida da minha amada irmã Beth.
Na maioria das vezes a morte chega cedo demais. Foi assim com meu pai, aos 79 anos; com o Kadão, aos 73; com a Beth, aos 60. Nunca estamos preparados e não nos consola dizer que a pessoa “descansou” ou que está melhor nesse mundo imaginário que uns chamam de céu, outros de paraíso, outros de espiritualidade.
Mas hoje quero falar do Kadão que conheci e admirei nestas mais de três décadas de convivência. Chegamos quase juntos à redação de ZH, em 1992, e desde o início me encantou nele a gentileza e o talento. Ele era um porto seguro para jovens e velhos repórteres com sua experiência, sua serenidade e sua generosidade.
Lendo agora os depoimentos dos colegas que viajaram com ele para os confins do Rio Grande do Sul ou para o outro lado do mundo, como Marcelo Rech, que escreveu um texto memorável em Zero Hora, lamento nunca ter encontrado tempo para os encontros sociais promovidos por amigos como Alexandre Bach nos bares da vida.
Passamos anos nos cruzando na redação, mas só uma vez fizemos uma cobertura juntos. Foi nos atos fúnebres do empresário Roberto Marinho, na lendária casa do Cosme Velho, aos pés do morto do Cristo Redentor, hoje um museu que qualquer mortal pode visitar.
O protocolo era rígido e cada jornalista teve alguns minutos para entrar e ver o dono da Globo no caixão aberto, coberto de orquídeas brancas da espécie cattleya. Ao lado, a viúva dona Lilly, símbolo de elegância, firme, mas abatida pela perda do seu amor da maturidade.
Do lado de fora, Kadão capturou imagens dos que chegavam para o velório e nenhuma me marcou mais do que a de Leonel Brizola, subindo a rampa da casa do Cosme Velho de bengala, parecendo cansado. Fã de Brizola, até pelo envolvimento do pai, Hamilton, com o movimento da Legalidade, Kadão ficou baqueado. Não era o Brizola vigoroso que conhecíamos, mas um velhinho com a saúde debilitada.
Foi a última vez que vi Brizola. Menos de um ano depois ele morreria. Eu estava na China e não acompanhei o funeral — por isso guardo como última imagem a que ficou na retina e que Kadão fotografou entre os ilustres que passaram pelo velório de Roberto Marinho. Lá estavam o então presidente Lula, governadores, senadores, deputados, políticos de todos os credos. A propósito, Brizola e Marinho se detestaram a vida inteira, mas ele surpreendeu quem achava que não iria na despedida.