
Mal saiu a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro já estavam com nota pronta, dizendo que nas 272 páginas não há qualquer prova concreta contra ele e tudo não passa de perseguição política. Menos de 24 horas depois, nesta quarta-feira (19), o líder da oposição ao governo Lula, deputado Luciano Zucco (PL-RS), se reuniu com Bolsonaro para discutira defesa política. Ali se esboçou um roteiro do que os aliados dirão em entrevistas e discursos, enquanto os advogados preparam a defesa técnica, que deve seguir na mesma linha de argumentação, apenas usando a linguagem jurídica.
Como é impossível negar que se discutiu no Palácio da Alvorada, em 2022, uma interpretação mirabolante do artigo 142 da Constituição — para justificar o uso de medidas extremas, como estado de sítio e garantia da lei e da ordem —, a opção foi por sustentar que planejar não é crime.
O ponto número 1 do documento de quatro páginas chamado de material de apoio diz que “apesar de os crime de abolição do Estado Democrático de Direito (art.359-L) e de golpe de Estado (art. 359-M) serem crimes de atentado, não exigindo resultado, sua configuração só pode se dar a partir do início de qualquer ato de execução, o que não ocorreu em nenhuma hipótese”.
A interpretação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, é de que o início da execução do plano se deu quando Bolsonaro apresentou aos comandantes militares a chamada minuta do golpe, que só não foi adiante porque esbarrou na resistência dos oficiais. Desde que a Polícia Federal concluiu o inquérito, os bolsonaristas alegam que o ex-presidente e outras 33 pessoas não poderiam ter sido indiciadas porque não houve golpe. E perguntam: “Que golpe é esse, que não teve tropas nas ruas e não se disparou um tiro?”.
Na denúncia, Gonet mostra que, se não houve tanques nas ruas, foi porque os ex-comandantes do Exército, general Gomes Freire, e da Aeronáutica, brigadeiro Batista Júnior, conforme depoimento deles, não aceitaram embarcar na aventura. Não apenas os dois: outros oficiais das Forças Armadas não concordavam com os argumentos de Bolsonaro de que a eleição fora fraudada. Apenas o comandante da Marinha, Almirante Garnier, teria dado a apoio à teoria golpista. Garnier foi indiciado e denunciado.
O roteiro da defesa de Bolsonaro também sustenta que ele não pode ser responsabilizado pelo que ocorreu no 8 de Janeiro porque não estava no Brasil e não praticou "qualquer ato de gestão ou de comando”. Logo, não poderia ser vinculado aos atos de depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
A campanha de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, “seja em reunião com embaixadores, seja em qualquer outra hipótese”, se enquadra, na visão dos seus defensores, como “manifestação crítica aos poderes constitucionais" e "reivindicação de direitos e garantias constitucionais". O texto diz que a narrativa de "questionar a integridade das urnas" não é crime segundo os critérios estabelecidos pelo art. 359-T do Código Penal, e que “não está evidenciado o uso de violência e grave ameaça para interferir no processo democrático”, que teria partido de Bolsonaro.
É no planejamento para desobedecer decisões judiciais e prender autoridades contrárias ao grupo que o texto dos defensores soa como confissão de que isso de fato ocorreu. “Cogitação e planejamento não são atos penalmente relevantes, pois não configuram execução”, diz o roteiro. Da mesma forma, a “suposta tentativa de mobilizar as Forças Armadas”, confirmada pelos oficiais militares em seus depoimentos.
“Se realmente ocorreram, não são atos de execução, mas de planejamento, o que não é crime”, diz o documento. E acrescenta: “Chega a ser ridículo dizer que a democracia é ameaçada porque alguém escreveu algo em uma folha de papel, sendo que seu conteúdo nem pode ser vinculado pessoalmente a Bolsonaro”.
Os defensores do ex-presidente também não negam o uso da Polícia Rodoviária Federal para dificultar o acesso de eleitores em locais onde Lula teve vantagem no primeiro turno, mas tratam de livrar o ex-presidente: “Se não há indicação de conduta ou ordem emanada por Bolsonaro, seja diretamente a qualquer autoridade da PRF, seja a qualquer subordinado seu com influência na PRF, então não há provas”.
Em relação ao plano Punhal Verde e Amarelo — de assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes —, o documento não nega sua existência, mas diz que “mais uma vez, (são) atos de planejamento, e que não são crime” e que “nenhuma das ações do suposto plano foram executadas”.
O roteiro da defesa reconhece que apenas um ato que poderia colocar em risco o funcionamento das instituições democráticas foi executado: “a invasão de prédios públicos e a destruição de patrimônio público”. Em seguida, diz que em nenhum momento aqueles atos colocaram em risco o funcionamento do governo eleito ou das instituições democráticas, porque “os prédios estavam vazios e decisões judiciais e administrativas da União e do Distrito Federal foram imediatamente tomadas no sentido de conter as invasões, o que se realizou com imediata eficiência”.