
Passado o South Summit, em que muito se falou de resiliência, reconstrução e mudanças climáticas, é hora de olhar para o lado e perguntar o que foi feito desde a grande enchente para evitar que a tragédia se repita. A lentidão tradicional do setor público não pode ser usada como escudo para justificar a escassez de obras de recuperação dos estragos, a demora na compra de casas para as famílias que tudo perderam e a falta de um plano de proteção para quem mora nas ilhas e sofre com as chuvas cotidianas.
Com a legitimidade de quem foi cobrada diariamente para que as obras de recuperação do Aeroporto Salgado Filho andassem mais rápido, a CEO da Fraport, Andreea Pal, pergunta por que não fazemos o mesmo com o setor público. O questionamento é procedente. No caso do aeroporto, queríamos que as empresas contratadas trabalhassem dia e noite para recuperar a pista e o terminal de passageiros.
— Como está a recuperação do Dique do Sarandi? — pergunta Andreea em tom de ironia.
Ela sabe o que todos nós sabemos, porque é uma pessoa bem-informada. O Dique do Sarandi não foi recuperado porque para isso era preciso remover as famílias que lá se instalaram irregularmente há muitos e muitos anos. A prefeitura tentou fazê-lo, mas uma liminar da Justiça impediu a remoção porque os proprietários das casas não concordam com o valor oferecido a título de indenização.
Questionado pela coluna — na presença de Andreea — o prefeito Sebastião Melo respondeu com outra pergunta:
— Perguntem para o presidente do Tribunal de Justiça.
Andreea tem razão em se preocupar. A empresa para a qual ela trabalha fez sua parte. O aeroporto voltou a operar a pleno, os voos internacionais estão retornando e outros devem começar neste ano, mas ela sabe que o sítio aeroportuário não está protegido. O próprio prefeito Melo já disse que se chover tanto quanto choveu em maio de 2024 Porto Alegre vai alagar de novo.
Felizmente, não há previsão de um novo dilúvio neste outono, mas todos sabemos que as mudanças climáticas estão aí e que derrubam os prognósticos dos meteorologistas.
Estamos às vésperas do primeiro aniversário da tragédia e pouco vemos em matéria de obras de prevenção. É claro que ninguém vai sair erguendo barreiras sem projetos detalhados, mas não estamos falando das obras mais complexas.
Dinheiro não é o problema. Existem recursos, mas é preciso saber gastar. E se obras que não têm a ver com prevenção estão atrasadas, como é o caso do chamado quadrilátero central e dos taludes do Guaíba, quem pode dormir tranquilo ou perder o medo do Guaíba?
Para que não se diga que o problema é só da prefeitura, vale lembrar que o trensurb (federal) e suas estações ainda não foram recuperados. E que o Plano Rio Grande, que concentra as ações do governo estadual, está redondinho no papel, mas as obras estão sendo entregues com atraso e recém agora foram contratados os técnicos que deverão dar mais celeridade à reconstrução.