O jornalista Henrique Ternus colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
Está em vigor desde o início do ano uma lei municipal em Bento Gonçalves que fiscaliza os beneficiários do Bolsa Família na cidade. Proposto pelo prefeito Diogo Siqueira, o texto prevê sanções administrativas e multa equivalente a 12 meses do benefício (R$ 7,2 mil) para quem for flagrado utilizando dados falsos ou informações inverídicas para obter o auxílio.
Ainda no final do ano passado, o prefeito deu início a uma força-tarefa na cidade para reduzir o número de beneficiários. Na ação, agentes da prefeitura visitam endereços cadastrados no programa para confirmar se as pessoas estão de acordo com as regras.
O foco é abordar, principalmente, homens e mulheres entre 18 e 40 anos. Se não cumprirem os requisitos, a alternativa ofertada pela prefeitura é uma vaga de emprego na cidade — se não for aceita, o benefício é bloqueado.
— É um trabalho para colocar em ordem todo esse programa. O melhor programa social é através do emprego. Aqueles que precisam do benefício vão continuar recebendo, mas quem pode trabalhar tem que trabalhar — avalia Siqueira.
Em tom de desabafo, o prefeito lamenta as irregularidades observadas entre os beneficiários do Bolsa Família. Diz que um dos principais problemas é a autodeclaração sobre a situação familiar, em que "a pessoa conta qualquer história", segundo Siqueira, e faz com que a Secretaria de Assistência Social identifique, por exemplo, mais de um auxílio em um mesmo endereço.
— A pessoa tem que saber que tem uma fiscalização rígida, tem que saber que tem pessoas cuidando dela. Não me importo se o dinheiro é do governo federal, estadual ou municipal, dinheiro é do cidadão. É uma obrigação que elas (beneficiários) trabalhem. É acabar com coitadismo, acabar com essa história de que é um direito que não dá para mexer. Tem que parar de falar de direito e começar a falar de dever. Fico incomodado com tanto direito e isso acaba sendo nocivo para a sociedade. Todo cidadão tem sua responsabilidade. Como sociedade, a gente precisa coibir esse programa que virou uma bengala e dar só para quem realmente precisa.
Em 14 de novembro de 2024, Diogo Siqueira reuniu outros prefeitos da Serra — de Caxias, Adiló Didomenico; de Garibaldi, Sérgio Chesini; e o secretário de Gestão e Governo de Farroupilha, Thiago Galvan — para uma reunião em que os municípios acordaram em adotar procedimentos de revisão do Bolsa Família. À época, o já reeleito Adiló confirmou que Caxias iria participar de uma força-tarefa entre as cidades para minimizar fraudes do programa.
Alguns dias antes do encontro, no dia 6, o prefeito registrou no seu Instagram o trabalho dos agentes nas casas dos beneficiários:
Defensoria atenta
A nova legislação de Bento Gonçalves chamou a atenção da Defensoria Pública da União (DPU), que enviou um ofício à Procuradoria-Geral da República (PGR) no dia 15 de janeiro questionando a medida. Segundo a defensoria, o projeto viola a Constituição Federal e considera a norma como "um risco para a política pública de transferência de renda".
No ofício, a DPU também argumenta que a lei municipal "extrapola a competência federal, ao legislar sobre um programa federal de transferência de renda, inclusive criando sanções inexistentes no restante do país". O prefeito Diogo Siqueira argumenta que a fiscalização do programa é de competência municipal.
Outra preocupação da defensoria é quanto às multas. Segundo a nova lei, o valor arrecadado será destinado ao Fundo Municipal de Assistência Social "para reforçar as políticas públicas voltadas à população em situação de vulnerabilidade". Mas a DPU argumenta que essa prática demonstra "desvio da finalidade originária do programa federal, afrontando o pacto federativo".
No ofício, a DPU solicita que a PGR avalie se cabe apresentar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal (STF), em razão da inconstitucionalidade da lei. Também pede ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) que analise se há alguma medida cabível que possa ser adotada pelo órgão. À Procuradoria-Geral de Justiça do RS, pediu o ingresso de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça.