
É fácil para quem não precisa de votos defender medidas que contrariam o senso comum. Se você quiser ser popular, critique o governador Eduardo Leite por ter pensado em comprar um jatinho de R$ 90 milhões com dinheiro do Fundo de Reconstrução. Se não se importar com cliques e com críticas de redes sociais, pense no que significa para um Estado do Sul do Brasil ter um avião para usar em emergências da saúde ou da segurança pública, por exemplo.
Leite deveria comprar o avião, mas não com recursos do Fundo de Reconstrução do Rio Grande do Sul, o Funrigs. Deveria comprar com dinheiro do Tesouro mesmo e se sujeitar a perder votos se for candidato na próxima eleição. Porque é certo que a oposição seguirá na confortável posição de atacá-lo.
Assim como esta coluna defendeu a compra do Airbus pelo presidente Lula, para substituir o chamado Sucatão, que não tinha nem autorização para pousar em certos aeroportos da Europa, defende agora a aquisição do jatinho – usado – para viagens a Brasília e outros Estados pelo sucessor de Leite. Porque ele, se comprar, dificilmente fará alguma viagem, já que deve renunciar para concorrer no início de abril de 2026. Não será o AeroLeite, como não é o AeroLula. É um bem público para ser usado a serviço do Rio Grande do Sul.
O argumento mais convincente vem da secretária da Saúde, Arita Bergman: o Rio Grande do Sul poderia fazer mais transplantes se tivesse um meio mais rápido de buscar órgãos quando aparece um doador compatível com o paciente que está na fila. Poderia ser eu, você, um dos nossos filhos.
Arita conversou com dois craques da área de transplantes para assumir a defesa da compra do avião: o doutor José de Jesus Camargo, referência mundial em transplante de pulmão na Santa Casa, e doutora Nadine Clausel, que criou o serviço no Clínicas e para lá voltou quando deixou a presidência.
Hoje, o governo utiliza o King Air que transporta o governador e secretários, e que passa boa parte do tempo em manutenção, e tem um contrato com a Uniair para transporte de pacientes em estado grave, que precisam ser transferidos de regiões distantes, ou para buscar órgãos disponíveis para o transporte. Isso tem um custo que deveria ser levado em conta nos debates sobre comprar ou não comprar um avião a jato.
Houve tempo em que o governo só utilizava seus próprios aviões para buscar órgãos para transplantes. Em 1º de outubro de 1997 uma tragédia enlutou o Rio Grande do Sul. Cinco jovens médicos e dois pilotos, servidores do governo, viajaram a Chapecó no Xingu 121, prefixo PP-EHJ, do governo do Estado, para buscar os órgãos de um paciente em morte cerebral, morreram um acidente.
Os médicos eram Marcos Stédile, 28 anos, André Barrionuevo, 28 anos, Jean Kolmann, 31 anos Jackson Ávila, 27 anos e Cláudio Lança, 29 anos, solteiro, especialista em transplantes hepáticos, da Santa Casa. Morreram também o comandante José Eduardo Dutra Reis, de 43 anos, e o co-piloto Paulo César Reimbrecht, de 40 anos.
Isso não quer dizer que se o avião fosse mais moderno teriam sido salvos, mas era o que todos nos perguntávamos à época. E hoje? Quantos transplantes a mais poderia ser realizados se o governo tivesse um avião mais rápido e preparado para recolher órgãos onde estivessem disponíveis?
No setor público, tudo é prioridade. Na saúde, principalmente. Quem se elege precisa tomar decisões que nem, sempre serão compreendidas. Críticos da compra do avião precisam fazer as contas de quanto os governos que não têm aeronaves gastam em aluguel de jatinhos, seja para transporte de pacientes, seja para transporte de órgãos. Leite precisa tomar uma decisão da qual não se arrependa, principalmente se o custo de não fazer for medido em vidas.