O enredo do golpe abortado em 2022 lembra Gabriel García Márquez e suas histórias de realismo fantástico. A íntegra do relatório da Polícia Federal, liberada nesta terça-feira (26) pelo ministro Alexandre de Moraes, é duas vezes mais extenso do que Cem anos de solidão e é escrito em linguagem que nem de longe lembra o estilo do mestre colombiano.
No conteúdo, o plano de golpe é um clássico de república bananeira, com personagens civis e militares capazes de patacoadas como imprimir o roteiro batizado de "Punhal Verde e Amarelo" dentro do próprio Palácio do Planalto. Esse punhal nas cores da bandeira do Brasil era o plano de executar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. A minuta de decreto do golpe, já conhecida, tinha até cópia na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, um dos indiciados.
O que a Polícia Federal faz é encadear os fatos que desembocaram na depredação de prédios públicos em 8 de janeiro, começando pelo processo de desqualificação do sistema eleitoral nas mídias sociais.
A partir do conjunto de provas obtidas ao longo da investigação, fica muito difícil o ex-presidente Jair Bolsonaro escapar da denúncia pela Procuradoria-Geral da República. O relatório mostra que Bolsonaro não só sabia do planejamento de golpe, como tentou convencer os comandantes das Forças Armadas a aderirem a essa aventura tresloucada com o argumento de preservar a liberdade e garantir a lei e a ordem.
Fica claro que o golpe só não foi adiante porque o general Freire Gomes, comandante do Exército, e o tenente-brigadeiro Baptista Júnior, comandante da Aeronáutica, frearam o ímpeto de Bolsonaro e dos generais golpistas. Por isso foram esculachados nas redes sociais por influenciadores bolsonaristas e chamados de comunistas e de "melancias" (verde por fora, vermelho por dentro).
Cem anos de solidão virou série. A trama golpista de 2022 rende um bom roteiro de filme, mas os críticos dirão que certas cenas, por toscas, são inverossímeis.