No dia em que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou, por dois votos a um, o júri do caso Kiss que havia condenado os réus Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, a coluna tentou conversar com o juiz Orlando Faccini Neto, que presidiu o julgamento. O magistrado optou por não dar entrevistas.
Nesta sexta-feira (5), o juiz decidiu se manifestar sobre as alegadas “reuniões” que teve com os jurados, citadas pelos advogados de defesa dos réus. Optou, no entanto, por escrever um artigo que segue publicado na íntegra:
REUNIÃO DO JUIZ COM JURADOS DO CASO KISS
Não é usual uma manifestação como essa. Contudo, se o silêncio obsequioso é obrigação quanto às demais questões, no que diz respeito a uma suposta reunião secreta deste subscritor com os jurados, bradar a verdade é um imperativo.
Em dez dias de trabalho árduo, várias vezes estive com os jurados. Almoçamos no sábado, inclusive com a presença de colega da Corregedoria de Justiça, comemos pizza no domingo – custeada, aliás, por uma vaquinha entre promotores e advogados, por meio da qual também compramos bolos e chocolates, cuja aquisição oficial era mais difícil dada a necessidade de licitação pelo Tribunal -, e, em vários e diversos intervalos, interagimos, nunca tratando do processo, nunca abordando qualquer tema que pudesse influir no julgamento.
Na sexta à noite, por exemplo, estive com eles, para indagar qual tempo queriam para a janta, visto que um dos advogados requerera intervalo maior, para poder ir a algum restaurante num shopping; em algum momento, um dos jurados pediu-me um cigarro – na minha triste circunstância de tabagista sou réu confesso -, e durante o ato conversamos sobre o rock indie da atualidade.
Pois bem, o fato é que no segundo dia do Júri fui alertado por um dos vários Oficiais de Justiça, que sempre estiveram presentes nos episódios antes referidos, que um dos sete integrantes do Conselho, por questões pessoais nada relacionadas ao Júri, padecia de algum grau de ansiedade, com os sintomas típicos dessa situação. O corpo médico do Tribunal foi exemplar – aliás, atendeu a pelo menos dois advogados durante os dez dias de trabalho.
Eu próprio receava que o Júri não chegasse ao fim, e se isso fosse de ocorrer, que se desse logo no início. Mas tudo indicava, nos diálogos havidos, que caminharíamos bem. Não havia qualquer comprometimento quanto à capacidade de julgamento, senão que, em certos momentos, a sensação de taquicardia e a boca seca. Os advogados ajudaram a minimizar a situação, de que foram alertados, e eles sabem disso: tal integrante do Conselho de Sentença pediu para ter alguns momentos com um sobrinho, de menos de cinco anos de idade, e eu chamei todos os causídicos em minha sala e indaguei se concordavam com essa possibilidade, o que foi unanimidade, bem como se queriam estar presentes no encontro, e todos eles acharam desnecessário, visto tratar-se de uma criança, bem como porque além de um Oficial de Justiça estaria no encontro a assessora deste juiz.
De todo modo, em diversos momentos do Júri, por alertas ou sinais, era-me passada a informação de que um intervalo se impunha, para que o integrante do Conselho a que me refiro se restabelecesse. Devo dizer que, num dos casos, isso envolveu um segundo integrante, que também precisou de atendimento, dado o stress natural de tão alongado julgamento, não captável por quem assistiu aos trabalhos em sua própria residência ou gabinete.
Na ocasião explorada, como tendente a sugerir que este subscritor propenderia a influenciar os jurados, o que ocorreu foi exatamente isso: diante de uma argumentação expendida, que referia haver um movimento externo ao Júri, algum tipo de comoção popular, em defesa de determinado acusado, chegou-me o sinal de que um daqueles pequenos abalos havia se apresentado. A razão disso, não sei, mas são variados os fatores que fazem espoletar o início de uma crise. Não ostento este nível de conhecimento, mas sei perceber quando uma pessoa precisa de ajuda ou de um pouco de silêncio. Interrompi de imediato a sessão, e interrompê-la-ia mil vezes nas mesmas circunstâncias, pois os jurados não são robôs, e, na sala específica, dei-lhes o tempo de respiro e perguntei se estavam todos bem, se podíamos continuar, finalizando com um bordão que desenvolvi no Júri, em minha relação com os jurados, e que eles também passaram a dizer para mim: “Vamos em frente! Vamos trabalhar!”.
Fomos em frente. O trabalho seguiu. O Júri foi concluído.
Mormente nas cidades do interior, sempre que realizei júris, almoçava com os jurados. Minha compreensão era, e é, a de que, pessoas do povo, que nada ganham, que são submetidas a julgamentos extenuantes ou com pessoas perigosas, merecem do magistrado todo respeito e consideração. Assim agi, e assim seguirei agindo.
Chamo como minhas testemunhas todos os jurados e juradas com os quais venho lidando nestes vários anos como juiz do Júri de Porto Alegre. Eles não faltarão com a verdade. Eles possuem retidão.
ORLANDO FACCINI NETO
JUIZ DE DIREITO.