
Há muito mais perguntas do que respostas sobre o impacto do tarifaço deflagrado por Donald Trump contra meio mundo — e, com mais sangue nos olhos, contra a China. Estaria, como de costume, o presidente americano blefando? A interrupção épica do comércio global pode, ao final, prejudicar mais os Estados Unidos do que a China? É o fim da globalização tal qual a conhecemos?
Não se sabe. Mas, do ponto de vista político, é possível intuir alguns cenários. Um dos poucos consensos na sociedade americana, que consegue pôr do mesmo lado republicanos e democratas, é o fato de a China ser a grande adversária geopolítica no século 21. Afinal, os EUA parecem sempre precisar de um inimigo: os nazistas, os soviéticos, o terroristas islâmicos e, agora, os chineses.
Desde que Richard Nixon pisou em Pequim, em 1972, estabelecendo relações com a China comunista, como parte de seu plano para isolar a URSS, em plena Guerra Fria, os EUA variaram sua estratégia entre tentativas de engajamento, contenção e competição. Atrair Pequim para a ordem liberal baseada em regras funcionou até que os próprios chineses atingissem tal grau de desenvolvimento que os colocaria em pé de igualdade - econômica e militar - de desafiar a supremacia americana.
A tal ascensão pacífica da China foi pelo ralo quando o governo Trump, em 2017, a denominou potência revisionista na National Security Strategy. A rivalidade é observada não apenas na economia, mas em uma corrida armamentista na Ásia-Pacífico, em razão dos contenciosos marítimos no Mar do Sul e do Leste da China, das tensões com Taiwan e Coreia do Norte, dos ataques de hackers chineses a empresas americanas, e dos questionamentos de Pequim à ordem liberal regional e internacional, que, escondem, além de interesses, valores divergentes.
É geopolítica pura. Em jogo está o futuro da ordem erigida após a Segunda Guerra Mundial, que tem os EUA como centro, o dólar como moeda de lastro global e o multilateralismo como princípio do sistema.
O momento de virada para um mundo sinocêntrico talvez tenha chegado antes do previsto. Provavelmente, Trump nem sabe o que isso significa, mas sua jogada contra a China encontra o planeta em plena fase de transição hegemônica, com uma potência em ascensão bem preparada para enfrentar essa guerra, que, por enquanto, é apenas comercial. Por enquanto.