
No meio do furacão, nada como o olhar distanciado. A revista britânica The Economist conseguiu fazer isso no artigo que ganha repercussão nesta quinta-feira (17) sobre os poderes excessivos do Supremo Tribunal Federal (STF). E o primeiro sintoma da lucidez do texto é a capacidade de uma análise desapaixonada - que consegue, por certo, provocar a ira de quem se ilude em eleger, de um lado ou de outro, mocinhos e bandidos no atual cenário político brasileiro.
O texto provoca a ira tanto de bolsonaristas quanto de alexandristas - e também de lulistas.
A tônica do texto é focada no excesso de decisões monocráticas na Corte. Mas sobra, literalmente ou no subtexto, para todos - intra e extramuros do Supremo.
O diagnóstico é fundamental: a mais alta Corte de Justiça brasileira enfrenta crescentes questionamentos na medida em que tenta administrar assuntos políticos. Para restaurar sua imagem de imparcialidade, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de golpe de Estado, deveria ocorrer no plenário do STF - e não pela Primeira Turma, composta pelo ex-advogado de Lula Cristiano Zanin e um ex-ministro Flávio Dino, além de Alexandre de Moraes.
A revista faz fortes críticas a Moraes, que está exercendo, segundo a Economist, "poderes surpreendentemente amplos, que têm como alvo predominantemente atores de direita".
É preciso ler o artigo com a consciência de que a Economist tem uma orientação liberal - e, até, por isso, consegue não personificar a culpa de um Brasil que parece andar para trás. A culpa não é só de um ou outro lado do espectro político. Tampouco de um único poder da República, o que não isenta aliados do ex-presidente terem tentado um golpe de Estado.
A segunda visão de fora sobretudo é impactante: todos os presidentes brasileiros desde 2003 foram acusados de violar a lei. Tempos atrás, escrevi que o Peru havia tido todos os chefes da nação nas últimas décadas suspeitos de corrupção. Antes ainda, escrevi que a Argentina, em 2001, chegou a ter cinco presidentes em um mês devido à instabilidade dos hermanos. Agora, nós também ostentamos esses recordes inglórios. Daí também a importância do olhar externo para apontar também nossas mazelas.
No artigo da Economist, sobraram críticas para vários integrantes do Supremo. Além de Moraes, chamado de "juiz estrela", o decano da Corte, Gilmar Mendes, é alvo por reunir em Lisboa, no Fórum Jurídico de Lisboa, "pessoas influentes que costumam ter negócios na pauta do STF - como mostrou o Estado de S. Paulo, o "Gilmarpalooza", reuniu 12 empresas com causas tramitando no Supremo; e Dias Toffoli, mencionado como exemplo dos despachos individuais - foi por meio de decisão monocrática que Toffoli anulou, em 2023, as provas obtidas por meio do acordo de leniência da Odebrecht, o que comprometeu as provas da Lava-Jato. Luís Roberto Barroso, atual presidente, também foi criticado pela declaração "Nós derrotamos o bolsonarismo".
Esses fatores, segundo a Economist, comprometem a credibilidade do STF. Mas isso não ocorre por acaso. Nos últimos anos, o Executivo e o Legislativo caíram em descrédito, levando o Supremo a ampliar seu escopo em resposta a uma crise institucional - nesse efeito dominó, é até compreensível (embora não justificável) alguns terem se apegado às Forças Armadas como falso poder moderador.
Quem se permitir aceitar críticas de um olhar de fora e ler o texto da Economist vai compreender porque a "anistia" não irá resolver o problema. A crise institucional em que nos encontramos é mais profunda.