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Donald Trump fala grosso com Volodimir Zelensky, mas é um menino de recados Vladimir Putin. Por óbvio, a cena grotesca da sexta-feira (28) em que os dois bateram boca faria enrubescer os retratos de George Washington, Abraham Lincoln, Thomas Jefferson e Theodore Roosevelt no Salão Oval.
Tudo era teatro, preparado por Trump e por J. D. Vance.
O vice fazia o papel do "bad cop" (policial mau, o agressivo), o chefe, por alguns momentos, do "good cop" (bom policial, amigável). Essa é uma famigerada técnica de interrogatório segundo a qual duas pessoas assumem papéis opostos para influenciar o terceiro indivíduo, porque explora o desejo de alívio e cooperação em situação de estresse.
Foi assim por um tempo. Até que a coisa mudou de figura, e os dois, Trump e Vance, descortinam suas verdadeiras faces.
Zelensky caiu como um peixe na armadilha da Casa Branca trumpiana: viajou a Washington para entregar os nacos terras raras da Ucrânia para os Estados Unidos explorarem, sem nenhuma garantia de segurança. Pior: cruzou o Atlântico depois que Trump o chamou de ditador e sem ter sido chamado, em nenhum momento, para sentar à mesa de negociação sobre o futuro de seu país.
No Salão Oval, quase sem conseguir falar mais alto do que Trump e Vance, ficou na defensiva. Mas manteve-se fiel à verdade factual: Putin não é confiável.
O acordo sobre o futuro da Ucrânia já foi desenhado por Trump e Putin: envolve a consolidação da ocupação do leste do país (Donetsk e Luhansk), a oficialização da Crimeia como área russa, e a entrega das terras raras ucranianas aos EUA como "agradecimento" pelo apoio prestado até aqui. Isso não é paz. É capitulação. Ou como dizia sabiamente o célebre letrista do Rappa Marcelo Yuka: "Paz sem voz não é paz. É medo".
Praticamente corrido da Casa Branca na sexta-feira, Zelensky tenta socorrer-se nos europeus - ao menos, na tentativa de um acordo que não seja desastroso para seu país. Encurralado, no final de semana, recebeu o carinho primeiro-ministro trabalhista do Reino Unido Keir Starmer, que disse que a Ucrânia tem total apoio do país pelo tempo que for necessário. Do secretário-geral da Otan, Mark Rutte, ouviu que precisa encontrar uma maneira de voltar a conversar com Trump.
Uma foto com líderes europeus e do Canadá em Londres foi uma espécie de desagravo - na imagem também estavam os presidentes da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do Conselho Europeu, António Costa, bem como o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau.
Europa acompanha com preocupação a aproximação entre Trump e Putin.
Zelensky segue sua sina de herói perante boa parte do mundo. Mas precisa tomar cuidado para não cair na segunda armadilha: por mais que o primeiro-ministro britânico seja do Partido Trabalhista, oposição aos republicanos, o Reino Unido mantém uma aliança carnal com os americanos. Se tiver de escolher, vai optar pelos americanos. E a Europa como um todo não está no melhor momento para bancar uma disputa de poder com Trump, que retira o apoio financeiro da Otan e, pior, flerta com seu maior adversário, a Rússia.