
Aparentemente distante do ponto de vista cultural e geográfico, a Turquia é um país cada vez mais protagonista da geopolítica mundial. Por ela, passam algumas das principais questões de que você deve ter ouvido falar nos últimos anos. Por sua localização geográfica, é um milenar entreposto entre Oriente e Ocidente - em tempos de questionamento da ordem global liderada pelos Estados Unidos no pós-Guerra Fria, isso, por si só, já é muito relevante. A bela Turquia é uma ponte entre dois mundos. Ou um abismo.
Do ponto de vista estratégico, é único membro de maioria islâmica na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Mas está, cada vez mais, próxima da Rússia de Vladimir Putin. É essa ambiguidade, aliás, que permite que o país seja um mediador de crises como o conflito na Ucrânia - foi graças à Turquia, por exemplo, que a Rússia e o Ocidente chegaram a um acordo para o escoamento da produção de grãos do país invadido pelo Estreito de Bósforo, o que evitou o aprofundamento da crise global de alimentos.
Nos últimos 20 anos, a Turquia é governada por Recep Tayyp Erdogan (como premier e como presidente), que ganhou um novo mandato no domingo (28). Mesmo violando direitos humanos, mesmo tendo enfrentado um golpe a partir do qual soube tirar proveito e centralizar ainda mais poder, mesmo com a inflação nas alturas e apesar do terremoto que, em janeiro, matou 50 mil pessoas, o "sultão" seguirá no poder. Aliás, graças a essa imagem de líder forte erigida nos últimos anos com pitadas de populismo, nacionalismo, perseguição da oposição e de minorias curdas e da instrumentalização da religião muçulmana para fins políticos que Erdogan está no poder. Com discursos como a "defesa da família", por exemplo, ele ataca a comunidade LGBTQI+ e agrada os conservadores. E se mantém encastelado na base de corrupção escancarada, é claro: você deve ter visto nas redes sociais a cena do presidente-candidato distribuindo dinheiro vivo a eleitores no domingo (28).
Por tudo isso, a Europa e os EUA olham com desconfiança para Erdogan. Mas terão de engoli-lo por pelo menos mais cinco anos. Isso porque o Ocidente tem nele um interlocutor - imprevisível, mas, ainda assim, um interlocutor - com a Rússia capaz de evitar um conflito direto com a Otan. E porque a Turquia serve como uma barreira de contenção para evitar que milhares de refugiados da Síria e do Iraque ingressem na fortaleza Europa, o que, sabemos, costuma fazer balançar governos à direita e à esquerda no Velho continente.