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Imagine um set de filmagem, em que os países e continentes são personagens:
Cena 1 – Enquanto os Estados Unidos se retraem para viver sua tragédia particular, a China despeja na Europa atingida pelo coronavírus máscaras e respiradores, no vácuo político historicamente ocupado pelos americanos.
Corta! Sai Europa, entra América Latina. Mantemos os personagens EUA, China e coronavírus. Gravando!
Cena 2 – Enquanto os Estados Unidos se retraem para viver sua tragédia particular, a China despeja na América Latina atingida pelo coronavírus máscaras e respiradores, no vácuo político historicamente ocupado pelos americanos.
Percebeu? Pouco mudou no enredo. Tudo mudou no mundo. Ainda que haja muitas respostas em branco da China sobre a origem do vírus o certo é que a covid-19 será um marco na ascensão do gigante asiático.
“Gracias China!!!”, tuitou o secretário de Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrar, em 1º de abril sobre a foto de um avião estacionado no Aeroporto Internacional da Cidade do México descarregando
50 mil kits para testes, cem mil máscaras e cinco respiradores. Presentes das fundações JackMa e Alibaba, criador e criatura do conglomerado de tecnologia chinesa. Treze dias depois, um animado ministro de Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, recebia um carregamento proveniente de Xangai, com equipamentos de proteção para médicos, embalados em caixas com as bandeiras dos dois países e uma frase em espanhol sobre amizade retratada no poema “El gaucho Martín Fierro”, de José Fernández.
Fosse outro momento histórico, os ministros mexicano e argentino estariam endereçando seus agradecimentos a Washington. Mas, desde que os Estados Unidos desviaram seu foco da América Latina – com exceção da Venezuela, pedra no sapato do governo americano por aqui –, a China passou a ocupar o vazio, com projetos de infraestrutura, investimentos, parcerias e, agora, socorro.
México de Manuel Lopez Obrador e Argentina de Alberto Fernández, ambos presidentes de esquerda, você deve estar pensando. Sim, mas não só por isso. Hoje, a China é o segundo maior sócio comercial da região e superou os Estados Unidos como principal parceiro de economias como Brasil, Chile, Peru e Uruguai. Conforme pontuam no jornal The New York Times Paul Angelo e Rebecca Bill Chavez, representantes do Council of Foreign Relations e do Inter-American Dialogue, centro de estudos sobre as relações EUA-América Latina, 19 nações da região aderiram à iniciativa One Belt One Road, megaprojeto chinês de infraestrutura. Além disso, na última década, surgiram 41 sedes do Instituto Confúcio, que fomenta vínculos culturais entre estudantes e professores. Por essa lógica, a diplomacia médica é um movimento natural, consequência dessa aproximação econômica e cultural. Pesquisadores de relações internacionais chamam isso de “soft power” (“poder suave”). O chanceler Ernesto Araújo vê disseminação do “comunavírus”, filho mais jovem do “globalismo”. Pode ser apenas pragmatismo.