"Sou uma boa pessoa que entregou a vida a Deus", disse a freira Kosaka Kumiko, vestida com o hábito religioso, algemada e com colete à prova de balas da polícia, ao ser presa no dia 5 de maio. Por seis anos, ela foi a encarnação do demônio para dezenas de crianças vítimas de estupros cometidos por padres no Instituto Antonio Próvolo, de Mendoza. Os relatos das vítimas, hoje adultas, é daqueles de estragar o café da manhã, capazes de nos fazer perder ainda mais – se ainda a tínhamos – a crença na humanidade.
Eram crianças surdas e muito pobres atendidas no instituto da Igreja Católica. Primeiro, a freira Kumiko batia nas crianças para testá-los. Aqueles que resistiam, se salvavam. As que eram submissas acabavam sendo levados aos padres criminosos. Uma adolescente contou que foi acorrentada e violentada por quatro pessoas ao mesmo tempo. Outra descreveu que, enquanto confessava os pecados, o bandido travestido de sacerdote a tocava. Quase sempre acontecia em um sótão, em uma sala que os abusadores chamavam de "a casinha de Deus". Começou por volta de 2006. A clínica só foi fechada no final do ano passado, graças ao relato corajoso de até agora 20 vítimas.
Com 115 mil habitantes, Mendoza é seis vezes menor do que Boston, nos Estados Unidos. Mas as circunstâncias em que os crimes aconteciam guardam semelhanças às mostradas no filme Spotlight, dos bastidores da investigação do jornal Boston Globe que revelou como a Igreja acobertava os criminosos: cidades médias, sociedades católicas, míopes pela tradição arraigada e incapazes de imaginar pastores em pele de lobo; professores da instituição e pessoas próximas dos padres "nunca desconfiaram de nada"; a Igreja, mesmo sabendo, apenas deslocava os abusadores, entre eles Nicolás Corradi, o líder da quadrilha, de instituição ou diocese.
Na Argentina, o país do papa Francisco, há 62 padres denunciados por abusos sexuais desde 2002, segundo o jornal El País. Spotlight termina com uma lista de cidades no mundo onde houve casos semelhantes. Quantas Boston e Mendoza, ainda silenciosas, existem por aí?
ONDE SER GAY É CRIME
O relatório de 2017, intitulado Homofobia de Estado - Estudo Jurídico Mundial Sobre a Orientação Sexual no Direito (Criminalização, proteção e reconhecimento), traz uma análise sobre a legislação punitiva a homossexuais em nível global. Autora do documento, a Ilga (International lesbian, gay bisexual, trans and intersex Association) alerta sobre a existência de pseudoterapias que afirmam "curar a homossexualidade". Apenas três países (Brasil, Equador e Malta) proíbem esses falsos tratamentos. Abaixo, nações homossexualidade é crime:
Mauritânia
Nigéria
Sudão
Somália
Iêmen
Arábia Saudita
Iraque
Irã
Paquistão
Afeganistão
SEIS ANOS DO 15-M
Infeliz semelhança
Boston, Mendoza e os criminosos de batina
Na Argentina, há 62 padres denunciados por abusos sexuais desde 2002
Rodrigo Lopes
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project