Nos sete dias em que estive no Iraque, em maio deste ano, conversei com um alto militar, veterano iraquiano das Guerras Irã-Iraque, do Golfo e contra os EUA. Ele me contou ter sido leal a Saddam Hussein, mas como soldado, seria fiel ao Iraque e a qualquer governo que assumisse o poder.
Quando os americanos ocuparam Bagdá, em 2003, esse oficial fugiu para o interior do país. Permaneceu dias escondido e só sentiu confiança de voltar à capital e se apresentar às novas autoridades do país meses depois da invasão. Ele foi reintegrado, aos poucos, às forças armadas iraquianas. Estava empregado de novo.
Não foi o que aconteceu com a grande maioria do antigo exército de Saddam Hussein e, principalmente, com seus batalhões de elite e serviço secreto. Estes, que conheciam os meandros do regime e muitas vezes formaram uma força paralela ao poder do Partido Baath, foram banidos. Muitos ficaram desempregados. Outros uniram-se à resistência à ocupação. O governo empoderado pelos EUA no Iraque agora estava nas mãos dos xiitas, que viveram décadas vilipendiados pela minoria sunita. Era a hora da revanche de grupos extremistas sunitas.
É nessas frestas de poder, entre anos de revanchismos, ódio e caos pós-guerra, que entra o Estado Islâmico, arregimentando centenas de milhares de ex-oficiais de Saddam, policiais, militares experientes, espiões, torturadores, profundos conhecedores do interior do país, com contatos em tribos, comunidades e, principalmente, especialistas nos bastidores do poder iraquiano.
Mas como a Síria entrou na jogada?
Vale lembrar que a Primavera Árabe, como ficou conhecida a série de revoluções no norte da África, varreu décadas de ditaduras na Tunísia, Egito e Líbia. Ao chegar à Síria, foi diferente. O ditador sírio, Bashar al-Assad, não se entregou tão rapidamente como o tunisiano e e o egípcio. Foi ainda pior do que Kadafi, da Líbia. Os jihadistas do Iraque viram na vizinha síria o grande momento de se projetar internacionalmente ao lado dos rebeldes que lutavam contra Al-Assad.
Em agosto de 2011, al-Baghdadi começou a enviar membros sírios e iraquianos do seu grupo, com experiência em guerrilha, para a Síria para estabelecer uma organização no interior da Síria. Avançavam também em províncias importantes no Iraque.Em abril de 2013, al-Baghdadi anunciou a união com os jihadistas sírios, mudando novamente o nome do grupo para Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Levante é como é chamada a região da costa do Mediterrâneo, de Gaza à Turquia, passando pela Síria. Em 29 de junho de 2014, o grupo declarou oficialmente a criação de um califado islâmico na Síria e no Iraque. A fronteira entre Iraque e Síria se liquefez. Aquilo que conhecíamos como Estados nacionais já praticamente não existia. O grupo extremista, que arregimentava fanáticos na Europa, decapitava reféns em transmissões meticulosamente pensadas para a internet, explodia aviões e lançava o terror sobre a França, havia se tornado pior do que Al-Qaeda. Era o inimigo número 1 do mundo.