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Assessor especial da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), Guilherme Mendes Resende trabalhou sete anos no Conselho Administrativo de defesa Econômica (Cade). Está lançando o livro "Decisões judiciais e suas consequências econômicas e sociais" (Editora Singular).
Ele conversou com a coluna.
Por que escrever o livro?
O livro vem com a minha chegada ao STF. Eu já tinha uma experiência de sete anos no Cade, e lá as decisões são baseadas em evidências econômicas, seja em fusão e aquisição seja em condutas anti-competitivas. A gente usa o fenomenal econômico para subsidiar os conselheiros para tomada de decisão. Com essa experiência, fui para o STF. O ministro Barroso brinca que me levou para fazer as contas do que estavam decidindo. Pensei: por que não pegar decisões passadas e aplicar economia nesses casos, vendo se foram na direção correta ou se teria algo a melhorar.
Qual caso o senhor considera emblemático?
É caso mais novo julgado que está no livro: o processo de execução fiscal de baixo valor. Evidencia como o julgamento de um caso pode afetar diversos outros, mostrando que a análise econômica é importante para se ver o todo - e não apenas para o caso concreto - e para calcular o impacto que pode ter em outros processos. Mostra como uma decisão bem dada pode ter grandes impactos econômicos. Depois que saiu a decisão saiu, em dezembro de 2023, durante todo o ano de 2024 já surtiu efeito na extinção de mais de 7 milhões de processos de execução fiscal. Olhando em nível federal, a gente chegou em dados que 2% do crédito ou das dívidas, eram recuperados por meio de execução fiscal. Por outro lado, 20% eram recuperados por meio de protesto extrajudicial. Ou seja, era muito mais eficaz você fazer um protesto do que entrar com um processo de execução fiscal.
O senhor é considerado o economista que faz as contas para o Supremo. Como é o seu trabalho?
Não é que com minha chegada tenha começado do zero uma análise mais econômica. Isso já existia, mas a dissertação do hoje juiz federal Guilherme Caon mostra que é uma tendência crescente. Você começa com algum racional econômico nos casos e, nos anos mais recentes, que termina em 2019, no estudo dele, há uma análise mais robusta de alguns ministros. Com o livro agora, acho que consolida um pouco essa trajetória crescente de buscar na economia uma ajuda para complementar a análise e a tomada de decisão. Nas outras áreas, essas ferramentas são um pouco mais dispersas, diferentes, e a gente tem que ir construindo essa nossa caixa de ferramenta para utilizar em cada tipo diferente de temas, dos processos.
O quanto o senhor acredita que a lei da transparência contribuiu para a democracia?
Na análise econômica do Direito, tem um componente importantíssimo: além de saber as consequências de uma decisão ou de uma lei, é saber que também gera incentivos. Ela pode gerar incentivos bons ou maus. Toda essa legislação de maior transparência está alinhada em gerar bons incentivos. O ministro Flávio Dino sempre fala que a gente precisa colocar o trem nos trilhos. O Judiciário tenta não discutir o trem, mas olhar para os trilhos. Então, tanto as leis ou a Constituição são esses trilhos. O Judiciário tenta fazer com que esses trilhos sejam seguidos. Um caso de impacto recente é toda essa discussão de maior transparência nas emendas parlamentares: maior poder de fiscalização pelas pessoas, ver para onde o dinheiro está indo, como está sendo gasto, quem indicou. Todas essas leis, essas decisões, são salutares para a sociedade. A transparência do recurso público é um ponto inicial para também se fazer a fiscalização.
Como é possível que, no Brasil, ainda existam emendas parlamentares cujo destino é desconhecido?
A emenda pix surgiu em um momento muito peculiar na relação do Congresso com o Executivo. Foi muito diferente do que se fazia, em termos de aplicação do recurso e da própria transparência. Ela teve o mérito de ser um recurso direcionado muito rapidamente para solucionar um problema específico. Não tem burocracias para chegar no destino final. Isso, em termos de gestão e para um gasto que realmente é necessário chegar lá de forma rápida, pode ser visto como uma inovação que seria salutar. Mas, ao fazer isso, você perdeu uma série de outras exigências em relação à rastrebilidade e transparência. Uma emenda pix não tinha plano de trabalho, então você não sabia como ela seria efetivamente gasta. O que as decisões hoje do STF buscam é alinhar essa rapidez, esse direcionamento específico para um projeto que precisa de recurso.
O que o senhor aprendeu no Cade sobre o monopólio das big techs no Brasil?
Tive a oportunidade de trabalhar em um caso grande: do Google Shopping, uma conduta anti-competitiva pela qual foram punidos na Europa. Fizemos um estudo de efeitos para ver o que aquela conduta tinha de negativo para o consumidor. É nessa lógica que o direito concorrencial olha. Ser grande não é, por si só, ruim. Ser grande é ruim quando se utiliza dessa posição dominante para praticar alguma conduta, seja diminuir a inovação dos concorrentes, seja aumentar preço, seja diminuir a qualidade dos produtos. Aí sim, você tem um dano para o consumidor. Olhando essas plataformas, a gente vai chamar isso de efeitos de rede. É muito difícil você ter mais de duas, três, quatro, cinco, 10 plataformas.
Por quê?
Porque são esses efeitos de rede que trazem benefícios para os consumidores. Ou seja, vamos pensar em uma rede social. Eu estou lá porque meus amigos estão. Então, se todo mundo vai para essa rede social, todo mundo se beneficia, porque todo mundo consegue se comunicar. E também, logicamente, outras partes: os anunciantes também se beneficiam, porque eles conseguem chegar em mais pessoas. Então, a gente caracteriza essas plataformas de múltiplos lados. E são esses efeitos de rede que vão gerar valor para essas plataformas. E elas geram valor e transferem esse valor para os consumidores, para os anunciantes, e retêm um pouco desse valor justamente por essa característica. Então, não faz sentido você querer um mercado com 10 empresas de rede social. Porque eu, como consumidor, não quero estar em 10 redes sociais. O que gera valor para mim é estar em uma, duas, redes sociais e conseguir conversar com todo mundo. Ou seja, o Google te oferece não só o sistema de busca, mas o armazenamento, o e-mail, o filme. E essas plataformas crescem justamente porque o consumidor vê esse benefício. Então, eu não gosto de olhar para as plataformas como o peixinho feio e que tem que ser perseguido. Elas têm têm de ser punidas quando houver alguma conduta anticompetitiva, em que estejam tentando excluir algum concorrente para, por exemplo, aumentar o preço ou diminuir a qualidade dos seus produtos em prejuízo do consumidor. Vejo as plataformas de uma maneira mais positiva. Acho que, se a gente olhar o filme, elas, historicamente, têm trazido muito mais benefícios para a nossa sociedade.