
O que Trump governa não é um país, é uma percepção. Primeiro, porque ele não governa exatamente, ele inunda: o homem despeja decretos, ameaças e delírios num ritmo alucinante, de modo que ninguém consegue processar um escândalo antes que surjam novos três.
O efeito psicológico é claro. Se Trump ordena algo absurdo na segunda-feira e, na terça, ignora as críticas e parte para o decreto seguinte, qualquer oposição parece impotente. Nada parece capaz de detê-lo. Preste atenção no verbo que usei nas duas frases anteriores — e que usarei novamente agora. Como observou o colunista Ezra Klein, do New York Times, Trump não parece agir como presidente, parece agir como rei. Está aí o que ele quer: parecer.
Freud já explicou, ao analisar o comportamento de grupo, que um líder não precisa apenas ser poderoso, precisa parecer poderoso. Quer dizer: sua força reside menos na realidade concreta e mais na ilusão que as pessoas projetam nele. Trump não quer que seus seguidores raciocinem. Quer que eles sintam. Sintam que ele é forte, que seus inimigos são fracos, que ele pode governar como bem entender.
Não interessa se o Golfo do México tem esse nome há séculos; ele vai rebatizá-lo de Golfo da América. Não interessa se a Constituição garante cidadania a quem nasce nos Estados Unidos; ele decidirá quem merece ser americano ou não. Não interessa se a Faixa de Gaza está a um oceano de distância; ele ditará o futuro dos palestinos e ponto final.
Pouco importa se essas medidas são ilegais ou inexequíveis — quanto mais estapafúrdias, mais elas cumprem um papel. A jogada é mostrar que Trump pode ordenar o que quiser. Que sua vontade está acima da lei, da lógica, da ciência e até da realidade. Porque, se um rei é aquele que consegue impor qualquer coisa, então Trump precisa provar, diariamente, que é capaz de transformar todo tipo de devaneio em decreto.
Em resumo, agir como um rei é uma estratégia para se tornar um. Aos poucos, as massas vão se convencendo de que seus poderes são mesmo irrestritos, de que as instituições lhe devem obediência, de que não existe mais presidente ou Congresso — apenas um soberano acima de tudo. Se ninguém frear esse processo, quando percebermos, o sistema democrático terá virado apenas uma formalidade. E aí o rei, claro, estará coroado de fato.