Peço perdão aos professores Cláudio Moreno e Paulo Flávio Ledur, que são meus gurus e guias nos labirintos da língua portuguesa, pela aparente heresia gramatical do título deste comentário. Na verdade, ele foi tirado do discurso de uma jovem líder comunitária do Rio de Janeiro, a combativa Alessandra Orofino, diretora da Rede Nossas Cidades:
– Democracia não é um substantivo. É um verbo. Temos que agir sobre ela e com ela – afirmou a moça.
Amplio a ideia. Democracia não é apenas um verbo. São muitos.
Votar é o primeiro que me ocorre, pois é o que vamos fazer no próximo domingo para escolher nossos representantes políticos. Nesse contexto, é um verbo intransitivo, que significa opinar por voto. E opinião, vale lembrar, é a expressão do nosso pensamento, daquilo que queremos para nossas vidas, para nossas famílias, para as pessoas que amamos. Votar, portanto, é um verbo para ser conjugado individualmente e com inteligência, nunca com descaso ou rancor.
Mas democracia não é apenas votar e ser votado. É, acima de tudo, participar. Os governantes e parlamentares que vamos escolher – ou que outros brasileiros escolherão por nós – só farão o que nós queremos e precisamos se continuarmos acompanhando suas decisões, fiscalizando suas ações e cobrando os compromissos assumidos. Fiscalizar, cobrar, exigir também entram na nossa lista de verbos democráticos.
Porém, talvez o verbo que melhor represente a democracia seja contribuir – com trabalho, com ideias, com diálogo, com bons exemplos, com honestidade, com tolerância – para uma sociedade melhor. A democracia nos assegura direitos e liberdades imprescindíveis, mas também nos impõe deveres de cidadania e humanidade. Por isso é bela, por isso deve ser protegida, por isso devemos lutar por ela. Sempre e permanentemente.
O verbo democracia precisa ser conjugado todos os dias.
***
Como regime de governo, a democracia tem lá as suas imperfeições. Por princípio, o povo é soberano, a vontade da maioria deve prevalecer, mas a necessária delegação de poder aos governantes e representantes legislativos costuma gerar deformações que todos conhecemos bem. Infelizmente, o poder embriaga e não é raro que os eleitos resistam em devolvê-lo para seus legítimos donos. É quando a democracia se fragiliza. Como disse Abraham Lincoln, “nenhum homem é bom o bastante para governar a outro sem seu consentimento”. Mas muitos tentam, valendo-se para isso de artifícios que vão das manobras políticas ao populismo e ao autoritarismo. Nesse contexto, a previsão de alternância aparece como remédio corretivo. Daí por que os eleitores são chamados a cada fim de mandato para decidir se querem mudança ou continuidade.
Por mais descrentes que estejamos na política, não podemos desperdiçar esta oportunidade para reassumir a condição de sujeitos de fato e de direito deste verbo disfarçado de substantivo.