
Os relatos sobre a hospitalização do papa Francisco que antecedeu sua morte eram cheios de humor. Os médicos contaram que, ao dar um “bom dia, santo padre”, ouviam com frequência a resposta “bom dia, santo filho”. Em seu pontificado, houve até um encontro de humoristas na Santa Sé, o que não é exatamente muito canônico, no sentido estrito da palavra ("que tem padrões e regras").
Poucos dias antes de “voltar à casa do pai”, como o Vaticano anunciou, ele respondeu ofegante a uma pergunta sobre “como vivia” essa Páscoa de provação.
— Vivo como posso — sintetizou, unindo a resposta óbvia que fez sorrir, não sem certa dor, à curta, a mais indicada em sua condição.
A disposição para os gracejos de Francisco tinha uma espécie de base teológica. Ele dizia que se inspirava em São Thomas More, a quem é atribuída uma oração que já começa em tom de chiste:
“Senhor, dai-me uma boa digestão,
mas também algo para digerir.
Dai-me a saúde do corpo,
com o bom humor necessário para mantê-la.”
Com liturgia que a cada dia renova o martírio de Cristo, o catolicismo não tem boa relação histórica com o riso. Esse é o mote de um dos mais conhecidos livros do italiano Umberto Eco, O Nome da Rosa. Sua narrativa histórica se passa antes que Thomas More chancelasse o humor e perdesse a cabeça — literalmente.
Sim, o santo seguido por Francisco também foi o autor de um clássico, Utopia, e lorde chanceler (espécie de primeiro-ministro com menos poder) de Henrique VIII, rei da Inglaterra que garantiu sua sucessão à custa de decapitações em série.
Thomas More teve o mesmo fim porque não quis fazer o juramento de obediência incondicional a um déspota. Nunca explicitou os motivos, mas Henrique VIII queria que renegasse o poder do Papa de então. O decapitado acabou canonizado como mártir em 1935.
Na série de “bromas” (uma das versões de “piada” em espanhol) de Francisco, uma das mais notáveis foi feita do balcão do Vaticano no qual costumava rezar o Angelus. Com uma caixinha imitando uma embalagem de remédio nas mãos, “receitou” Misericordina, que faria bem “ao coração, à alma e para toda a vida”. Como muitos complementos vitais, alguns nascem sem humor nem misericórdia – ou as perdem ao longo da vida. Seria ótimo se Francisco tivesse inventado uma versão sintética para ambos.