
Sempre que uma crise sacudia o mundo, o país menos abalado costumava ser os Estados Unidos. Afinal, em períodos turbulentos, o país oferecia dois refúgios seguros: o dólar e os títulos do Tesouro americano (Treasuries). Na turbulência global provocada pela guerra comercial empreendida por Donald Trump, ambos estão sob xeque.
Depois de o Tesouro americano ter sido obrigado a elevar o juro para vender Treasuries, agora é o dólar que verga sob o peso do ataque de Trump ao Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). Até no Brasil, o mercado voltou do feriadão com uma queda firme na cotação, de 1,32%, para R$ 5,728. É uma reação ao recrudescimento da tentativa de derrubar o atual presidente do Fed, Jerome Powell.
Os EUA, é bom lembrar, têm uma dívida pesada, equivalente a cerca de 123% do PIB. Mas mesmo quando o epicentro da crise estava nos EUA, como em 2008, o mundo fazia o famoso "flight to quality" (voo para a qualidade, ou para ativos seguros). E o dólar se valorizava porque, afinal, era uma reserva de valor. Isso é conhecido na economia como "garantias do excepcionalismo econômico americano", que hoje estão minadas, segundo oito a cada 10 economistas.
Um dos economistas que resume a posição dos oito a cada 10 é Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine. Diz que a tentativa de Trump de desestabilizar e, eventualmente, demitir Powell, "eleva a discussão sobre a posição hegemônica do dólar como reserva global de valor e instrumento de proteção diante da instabilidade". E ele mesmo reconhece:
— É um cenário inimaginável até poucas semanas atrás.
O que ponderam os outros dois a cada 10 é importante: não existe, até agora, uma alternativa efetiva ao dólar. Euro, iene e franco suíço, outras três moedas fortes, têm muito menor participação nas transações internacionais, e menor ainda nas reservas cambiais de países. Mas um sintoma do que apontam os outros oito vem da cotação do ouro, que não para de subir desde que Trump começou a distribuir tarifas como tiros pelo mundo.
Nesta terça, o ouro chegou a alcançar a marca de US$ 3,5 mil por onça-troy (cerca de 23,5 gramas), depois moderou a alta, mas segue quebrando recorde atrás de recorde. Em relatório publicado nesta terça-feira (22), o Fundo Monetário Internacional (FMI) avaliou que o mundo passa por um "momento crítico". A crise deflagrada por Trump fez a instituição diminuir sua projeção de avanço do PIB global para 2,8% neste ano. Em janeiro, esperava crescimento de 3,3%.
Não significa, no entanto, que o mundo deve passar por uma recessão, salienta o FMI em seu cenário-base. Mas o risco aumentou, sobretudo com o corte de 0,9 pontos percentuais na previsão de crescimento da economia americana, de 2,7%, em janeiro, para 1,9%. Conforme um dos instrumentos criados à imagem e semelhança do american way of life para estabilizar o mundo depois da Segunda Guerra Mundial adverte:
"O agravamento de uma guerra comercial e a incerteza crescente na política comercial podem prejudicar ainda mais as perspectivas de crescimento a curto e longo prazo. A redução da cooperação internacional pode comprometer o progresso rumo a uma economia global mais resiliente".
*Colaborou João Pedro Cecchini