
O jornalista Mathias Boni colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Político de longa trajetória, Aloizio Mercadante já foi ministro da Educação, da Ciência, Tecnologia e Inovação, e ministro-chefe da Casa Civil. Além disso, cumpriu mandatos como senador e deputado pelo Estado de São Paulo.
Desde fevereiro de 2023, atua como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição que teve papel significativo no processo de recuperação da econômica gaúcha após a enchente de 2024.
Em entrevista exclusiva à coluna, Mercadante analisa essa atuação do BNDES no Estado, além de comentar assuntos como desenvolvimento sustentável e o momento da política econômica do governo federal.
Quais foram as principais ações que o BNDES realizou para apoiar a recuperação econômica e estrutural do RS após o desastre climático de maio passado?
Primeiro é preciso deixar claro que a reconstrução do Rio Grande do Sul foi uma prioridade absoluta do presidente Lula, com a maior mobilização de recursos e ações, em tempo recorde, da história do país. Então, sob a orientação do governo federal, o BNDES atuou em dois momentos fundamentais. Primeiro, de forma emergencial, contribuiu na recomposição econômica e social do Estado. Para se ter ideia, em 2024, o BNDES disponibilizou R$ 20 bilhões com recursos do Fundo Social apenas com essa finalidade, além de ter apoiado empresas por meio de crédito garantido no valor de R$ 4,3 bilhões — sendo 100% destinados para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) — e suspensão de pagamentos de serviços de dívida no valor de R$ 4,8 bilhões — sendo 82% para MPMEs.
Os recursos foram concedidos em três modalidades — capital de giro, aquisição de máquinas e de equipamentos, e investimento e reconstrução — e direcionados para diferentes áreas, como infraestrutura e reconstrução de unidades hospitalares.
Além de mais recursos, o apoio do BNDES para o povo gaúcho chegou mais rápido, um ritmo seis vezes maior do que a média mensal de aprovações de crédito no Estado. Até dezembro de 2024, o banco tinha fechado mais de 8 mil operações de crédito no Estado, atendendo 469 municípios, ou seja, quase a totalidade de municípios do Estado. Uma parte significativa desse resultado decorreu da eficiência do modelo indireto, operacionalizado pelo BNDES em parceria com uma rede de mais de 80 instituições financeiras, que permitiu capilarizar o crédito, contemplando principalmente MPMEs.
Estamos agora no segundo momento deste apoio. Além de seguir atuando com a liberação de crédito, estamos direcionando esforços para tornar o Estado mais resiliente a eventos climáticos extremos por meio de um planejamento de longo prazo.
Essa é uma agenda prioritária para o BNDES e que nos levou a criar, neste ano, uma área de Enfrentamento de Eventos Climáticos Extremos.
ALOIZIO MERCADANTE
Presidente do BNDES
Como foi o processo de integração do BNDES aos esforços do governo federal para contribuir para a recuperação do RS?
Desde o início, o BNDES atuou de maneira integrada e alinhada com a então Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, que contou com dedicação integral do então ministro Paulo Pimenta. O BNDES montou um posto avançado em Porto Alegre. Para atender as empresas e entidades locais, bem como ampliar o nível de compreensão dos impactos climáticos ocorridos, o BNDES destacou parte de seu quadro de funcionários para atuar in loco.
Foram realizadas dezenas de reuniões presenciais e online, com a presença de inúmeras entidades empresariais, setor produtivo e vários setores ao mesmo tempo. Esse posto avançado mobilizou toda a estrutura do BNDES para cumprir o ambicioso projeto de reconstrução do Rio Grande do Sul. O profissionalismo, a dedicação e o esforço dos funcionários do BNDES são dignos de menção e reconhecimento.
Essa experiência de atuação do BNDES na reconstrução e recuperação do Rio Grande do Sul foi amplamente reconhecida como exitosa, tanto que, agora, estamos com o desafio de sermos gestores financeiros de parte dos recursos do Fundo Rio Doce, que vai atender os Estados e municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais e no Espírito Santo.
Qual é a importância de um banco como o BNDES participar de um processo como esse de recuperação estrutural e financeira de um Estado devastado por uma calamidade climática, como foi no RS em 2024?
A gente acredita que o BNDES teve um papel relevante nesse processo de recuperação. Essa importância pode ser medida em números e em ações com impacto no dia a dia dos gaúchos.
O apoio do BNDES permitiu, por exemplo, a retomada e a continuidade de serviços essenciais, como energia e transportes. Um caso emblemático foi o financiamento de R$ 1,4 bilhão concedido à RGE Sul para capital de giro e aquisição de máquinas e equipamentos e para evitar um reajuste na conta de luz.
Por meio da concessão de crédito, o BNDES apoiou, por exemplo, a retomada das atividades do aeroporto Salgado Filho, a volta das operações do Terminal Marítimo Luiz Fogliatto (Termasa) e a recuperação de estradas que cortam o Estado. E esse esforço continua. Nesta semana, divulgamos uma operação de crédito para a CEEE-D, também para ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e com cláusula de manutenção de empregos.
Para se ter ideia, em 2024, o Rio Grande do Sul foi o primeiro Estado do país em volume de crédito aprovado pelo BNDES para agropecuária, micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) e serviços, e o segundo no ranking nacional para a indústria.
ALOIZIO MERCADANTE
Presidente do BNDES
Estamos falando de um volume de R$ 39,3 bilhões, que é 141,7% superior a 2024 e 174% maior que 2022. A gente acredita que o BNDES exerceu e continua exercendo um papel importante, e que é parte relevante de um conjunto de ações desenvolvidas pelo governo Lula para o povo gaúcho.
Como funciona a parceria entre o BNDES e o Estado do Rio Grande do Sul para o projeto RioS, que visa reforçar a resiliência climática do RS?
Os eventos resultantes dos extremos climáticos já são uma realidade e são cada vez mais frequentes. Nesse sentido, assinamos com o governo do Rio Grande do Sul um acordo de cooperação técnica (ACT) para estruturar um plano de resiliência climática de médio e longo prazo que proteja o Estado contra extremos climáticos. O ACT marca a transição da resposta emergencial para um planejamento de longo prazo.
O BNDES quer ser um dos principais parceiros da reconstrução do Rio Grande.
ALOIZIO MERCADANTE
Presidente do BNDES
Por meio do projeto RioS (Resiliência, Inovação e Obras para o Futuro do Rio Grande do Sul), vamos definir a estratégia de resiliência climática da região hidrográfica do Guaíba. O trabalho inclui a realização de estudos para projetos de adaptação climática e de gestão de risco.
Estamos diante de um imenso desafio, que é propor como vai ser a reconstrução com resiliência, adaptação, criando um centro integrado para prevenção aos desastres naturais. Estamos estruturando soluções para fortalecer a capacidade de resposta a desastres, protegendo os moradores contra desastres naturais, e para garantir habitação a famílias de baixa renda. O banco tem experiência no desenvolvimento de grandes projetos e estamos trabalhando para que este seja um projeto que sirva de referência para outras cidades.
O BNDES também tem se envolvido em outro grande evento ligado à sustentabilidade que ocorrerá no Brasil, a COP30. Quais são as ações que o banco tem realizado para apoiar a realização da COP no Brasil?
A realização da COP30 em um cenário de crescimento global do negacionismo climático coloca Belém no centro estratégico do mundo. E o respeito do presidente Lula em todo o mundo tem sido fundamental para que o Brasil lidere a agenda verde e o processo de transição energética. O BNDES está atuando para deixar um legado para a capital paraense. São grandes investimentos em infraestrutura e na ampliação de serviços públicos, obras de macrodrenagem e urbanização, além de transporte, turismo e patrimônio histórico. O foco são as pessoas e a melhoria de vida da população, com obras definitivas, construindo um desenvolvimento justo e sustentável.
Além disso, o BNDES tem participado na definição das metas e das ambições do Brasil na COP30 e na construção de uma estratégia que tenha impacto global. Vamos realizar, por exemplo, uma audiência pública para avaliar a possibilidade de desenvolvermos uma instituição que possa certificar crédito de carbono. A iniciativa já teve início e estamos em consulta pública, lançada em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, aberta a contribuições até o dia 25 de abril.
Qual é a importância para o Brasil de o BNDES se envolver cada vez mais em projetos de desenvolvimento verdadeiramente sustentável, como também são os projetos de restauração da Mata Atlântica?
O mundo está vivendo uma transformação sem precedentes, cujos impactos estamos vendo a toda hora. Atuar de forma sustentável não é mais uma opção, é uma condição. Nesse sentido, queremos destacar a contribuição do BNDES na agenda de descarbonização e no enfrentamento da crise climática. No mundo, é o banco que mais financiou a energia limpa e renovável, segundo a Bloomberg. Em 2024, batemos recorde em aprovação de crédito para biocombustíveis (R$ 4,3 bilhões), por exemplo. Essa estratégia está sendo aprofundada com o Fundo Clima, que bateu recorde em 2024 com R$ 10,2 bilhões, e foi viabilizado pelo apoio do Ministério da Fazenda, com a emissão de bonds (títulos de renda fixa) no Exterior.
Também relevante é o nosso esforço para atuar na Amazônia, especialmente com o Fundo Amazônia. Nos quatro anos do governo anterior, esse fundo ficou paralisado. Nos últimos dois anos, retomamos o processo de doações e alcançamos recorde de aprovações, cerca de R$ 2 bilhões, com destaque para os projetos de restauro florestal que está sendo estendido para outros biomas brasileiros, como a caatinga.
O novo BNDES que estamos construindo é um banco comprometido com a economia verde, com a descarbonização e com a sustentabilidade ambiental.
ALOIZIO MERCADANTE
Presidente do BNDES
Para além disso, o governo federal está trabalhando na construção de Fundo Biomas, que permitirá uma atuação mais ampla, inclusive na Mata Atlântica. Dentro do projeto Floresta Viva, divulgamos, este mês, o resultado de um edital que destinará R$ 8,15 milhões a sete projetos de restauração ecológica em 485 hectares da Mata Atlântica, no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo. Também destinamos R$ 25,3 milhões para a revitalização do Parque Estadual da Serra do Mar, importante aparelho de preservação desse bioma. De toda forma, a preservação e o restauro da Mata Atlântica seguem sendo um desafio, que exige ações em maior escala.
Após dois anos de presidência do BNDES, como avalia sua gestão à frente do banco até o momento? Quais foram as principais realizações e os principais desafios enfrentados nesse período até o momento?
Na última semana, recebemos a boa notícia sobre o crescimento de 3,4% do PIB brasileiro, puxado principalmente pela indústria (3,3%) e pelo setor de serviços (3,7%). Esse crescimento é resultado do esforço da política macroeconômica, do aumento de renda e de emprego da população e de um conjunto de políticas públicas articuladas e convergentes do governo Lula.
E o BNDES teve um papel fundamental nessa retomada do crescimento do país. Em 2024, o banco alcançou recorde histórico de impacto no crédito. Alcançamos R$ 276,5 bilhões, sendo que R$ 212,6 bilhões foram aprovação de crédito e R$ 63,9 bilhões foram as garantias para que os agentes parceiros pudessem alavancar o crédito, especialmente para MPMEs. Para MPMEs, aliás, registramos outro recorde de financiamento: R$ 156,3 bilhões, sendo R$ 92,4 bilhões em aprovações e R$ 63,9 bilhões, em garantias. É mais do que o dobro (119,8%) do realizado em 2022, último ano do governo anterior.
E o que esses números significam? Significam maior acesso ao crédito, recursos que irrigaram a retomada do investimento, a geração de emprego e o crescimento da economia.
Outro dado que para nós é muito relevante é o de que a indústria voltou a liderar as aprovações de crédito pelo banco, o que não acontecia desde 2017. Além disso, dentro da Nova Indústria Brasil, liderada pelo ministro e vice-presidente, Geraldo Alckmin, aprovamos R$ 190 bilhões nesses dois anos. Teve dinheiro para indústria e também para a agropecuária, com a aprovação de R$ 93,8 bilhões em crédito nos últimos dois anos, volume superior aos quatro anos do governo anterior.
Outros recordes históricos foram os de financiamento à inovação (R$ 13,6 bilhões) e ao setor de fármacos (R$ 4,8 bilhões). A nossa inadimplência foi a menor da história do BNDES, 0,001%, e a menor do Sistema Financeiro Nacional para os débitos atrasados em até 90 dias. Isso é uma marca muito importante, é o trabalho da equipe técnica extremamente qualificada do banco.
Com todo esse esforço, conseguimos transferir R$ 29,5 bilhões para Tesouro Nacional em dividendos. É um esforço imenso e foi uma situação excepcional para ajudar no fechamento do arcabouço fiscal. Sob orientação do presidente Lula, atuamos todo esse período de forma republicana. Em dois anos, repassamos R$ 33,1 bilhões para Estados e municípios, independentemente do partido do governante, exigindo em contrapartida apenas o reconhecimento e a reciprocidade na relação republicana.
Não poderia deixar de destacar que o BNDES é uma das instituições mais transparentes do Estado brasileiro. Superamos aquele estigma equivocado da caixa-preta e transformamos o BNDES em um aquário.
ALOIZIO MERCADANTE
Presidente do BNDES
Em suma, nós estamos fazendo muito mais, com mais velocidade, sem onerar o Tesouro Nacional e alinhados com o projeto do novo BNDES, que é um BNDES transparente, é um BNDES comprometido com a economia verde, com a descarbonização e com a sustentabilidade ambiental. É um BNDES digital, é um BNDES que olha a inclusão social, o emprego, o apoio a micro, pequenas e médias empresas. É um BNDES que financia projetos estruturantes para o desenvolvimento do Brasil. E é um BNDES que faz tudo isso prestando contas e permitindo que seja fiscalizado e que haja total respeito às normas legais e à qualidade do gasto público.
Como economista e figura histórica do PT, como o senhor avalia até o momento os resultados econômicos do governo Lula 3? Como o governo pode fazer a população compreender resultados positivos, como o crescimento do PIB e o baixo índice de desemprego, em comparação com realidades não tão positivas, como a alta da inflação e do preço dos alimentos, por exemplo?
O governo Lula fez o Brasil se reerguer, superar as dificuldades e, mais uma vez, ser reconhecido no mundo. Estamos falando de políticas sociais e macroeconômicas e de transformações no setor produtivo. De um país que ruma para deixar de ser apenas o maior produtor-exportador de alimentos e de uma economia primarizada, para a retomada de um processo de neoindustrialização, com oferta de empregos de qualidade e renda mais elevada para a população.
Mais do que a melhora dos indicadores, o que estamos vendo é um país que está se reconciliando com o seu povo, registrando os menores índices da série histórica de pobreza e extrema pobreza. Com a volta do emprego, a valorização do salário mínimo e o fortalecimento de programas sociais, como o Novo Bolsa Família, brasileiras e brasileiros estão voltando a fortalecer o mercado interno de consumo, aquecendo o comércio.
O combate à inflação segue sendo uma prioridade absoluta do governo Lula, ainda que estejamos vivendo uma pressão inflacionária conjuntural associada ao preço global dos alimentos, em que o Brasil é muito mais solução do que problema. Os impactos da crise climática aprofundaram a questão da segurança alimentar como um desafio planetário que tem impactado determinadas culturas e que poderá voltar a acontecer no futuro.
Por isso, a importância do apoio que o governo federal tem dado à agricultura familiar e à valorização da Conab, órgão com o qual o BNDES fechou uma parceria para reestruturação de ativos e em que o presidente Edegar Pretto tem tido um papel decisivo na construção de uma estratégia de armazenagem e estoques reguladores para o enfrentamento de eventos sazonais.
Tivemos ainda uma pressão descabida em relação ao câmbio, fruto da especulação financeira irracional e que também prejudicou, mas que é uma questão superada. Além disso, no mês de janeiro a inflação foi beneficiada pelo bônus de Itaipu, que sobrecarregou o mês de fevereiro. Temos o retorno das aulas e a compra de materiais escolares e há uma pressão no setor de serviços decorrente do PIB de 3,4%, da retomada da indústria, dos níveis recorde de emprego e do aumento de renda da população.
De toda forma, o governo segue profundamente comprometido com a estabilidade e em perseguir a meta inflacionária. Temos uma nova direção no Banco Central, que estabilizou o câmbio, deixando esse componente para trás, e no horizonte está uma trajetória de queda da inflação.
Também não há gastança nem descontrole. Vamos aos fatos: o governo Lula herdou um pesado passivo fiscal de um governo negacionista que nunca cumpriu o teto de gastos e promoveu um populismo fiscal eleitoral sem precedentes na nossa história. A equipe do ministro Fernando Haddad tem feito um trabalho grandioso para recuperar as finanças e reduzir o ritmo de expansão dos gastos obrigatórios para preservar os investimentos públicos, com resultados expressivos e promissores.
De fato, o que existe é uma intolerância ideológica e uma campanha articulada da extrema direita, com base na difusão em massa de mentiras e fake news, que corroem nossa democracia. Uma campanha que quer impedir que os pobres voltem para o orçamento e que quer manter privilégios de quem sempre foi favorecido. Mas, eu sou um otimista e acredito nesse Brasil profundo com o qual temos um compromisso profundo e que reconhece no presidente Lula a grande liderança popular capaz de manter a nossa democracia e de promover o desenvolvimento social e sustentável, com generosidade, solidariedade e mais direitos para todos e para todas.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo