
No dia seguinte a uma manifestação de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), Donald Trump pediu sua demissão. Na quinta-feira (16), Powell havia afirmado que o cenário do país é "desafiador" com "mudança na política comercial". E considerou prováveis queda no emprego por desaceleração no crescimento e aumento na inflação.
Trump reagiu com a habitual fúria em seu canal paraoficial de comunicação, sua rede social Truth:
— A demissão de Powell não pode chegar rápido o suficiente!
Curiosamente, no início da nota Trump cita como "exemplo" que Powell deveria seguir o Banco Central Europeu (ECB na sigla em inglês), que deve cortar o juro básico pela sétima vez consecutiva.
O choque entre Trump e Powell era esperado. Na época da posse do novo presidente, o presidente do Fed foi perguntado o que faria caso isso ocorresse e respondeu – serenamente, como convém a quem ocupa esse cargo – que tem um mandato e pretende cumpri-lo.
O que Powell afirmou na quarta-feira (16) é o que estão dizendo 11 em cada 10 consultorias econômicas, universidades e grandes bancos americanos. Portanto, somente verdades. E as disse de forma contida, considerando a vertigem do caos que ronda a economia global.
Assim como no Brasil a partir de 2021, o presidente do EUA não pode demitir o presidente do banco central. O Fed tem autonomia. Powell só sai se quiser.
Os erros em cascata no tarifaço
1. De diagnóstico: para Trump, os déficits comerciais dos EUA estão na raiz de todos os problemas. A coluna já detalhou que, em muitos casos, esses resultados são provocados por... companhias americanas. A Apple tem produção espalhada por todo o globo e assina seus dispositivos com "Designed by Apple in California", assim como montadoras de carros e até de tênis, como a Nike e suas 71 unidades só no Vietnã.
2. De objetivo: em teoria, a meta é forçar empresas americanas – como Apple e Nike – a levar essa produção descentralizada de volta aos EUA para fugir das tarifas punitivas. Esse processo leva anos: é preciso construir unidades, comprar equipamentos. Se der certo, vai dar muito errado: a corrida de volta para casa tende a provocar uma demanda difícil de atender, o que pressionaria a inflação já elevada pela entrada de produtos com maior tarifa de importação. Outra expectativa é arrecadar mais para financiar cortes de impostos que Trump planeja fazer sem impactar ainda mais a já pesada dívida dos EUA. Mas não são governos que pagam tarifas. Nem os odiados estrangeiros. Como as tarifas são repassadas aos preços, quem vai bancar o tarifaço será o americano que comprar produtos importados.
3. De concepção: o tarifaço era aguardado. Gigantes financeiras, como Goldman Sachs e universidades de primeira linha, como Yale, projetaram, na pior das hipóteses, tarifas lineares de 25%. Engano de quem projetou? Não, de quem concebeu a possibilidade de sobretaxas de até 145%. Tarifas mais baixas provocariam efeitos negativos, mas não derretimento de mercados e perda de confiança nos Treasuries.
4. De elaboração: como era preciso fazer muitos cálculos, United States Trade Representative (USTR, principal órgão de comércio exterior dos EUA) simplificou: dividiu o superávit comercial de cada país com os EUA pelo total das exportações dessa mesma nação. E dividiu outra vez por dois, para ser "gentil". A inclusão de uma ilha povoada apenas por pinguins e focas nos 10% da "tarifa padrão" reforça o grau de amadorismo.
5. De aplicação: o anúncio foi feito em 2 de abril. As tarifas padrão, de 10%, passaram a incidir já no dia 5 e as punitivas chegaram a entrar em vigor nesta quarta-feira (9) antes de serem suspensas. Se era para negociar, o prazo deveria ter sido maior.
6. De avaliação: na Trumposfera, a China acataria sem chiar uma alíquota que a essa altura soma inacreditáveis 145%. Mas o gigante asiático retaliou – com "gentileza", para até 125% – e o presidente americano acusou o golpe, dizendo que o país oriental havia "entrado em pânico" e "não sabia jogar". A OMC estima que essa soma inviabiliza 80% do comércio entre os dois países.