Dono de Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads, Mark Zuckerberg sucumbiu ao trumpismo. Ao anunciar a mudança considerada a mais relevante desde a criação de suas redes, afirmou que "as recentes eleições também parecem um ponto de inflexão cultural na direção de, outra vez, priorizar o discurso (de "liberdade de expressão").
Se alguém tinha dúvida, depois do anúncio, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, foi perguntado se suas ameaças a Zuckerberg haviam influenciado na decisão e ele respondeu "provavelmente" (chece aqui). É fácil perceber quanto a "liberdade de expressão" foi decisiva para a medida: zero. Foi uma adesão incondicional e condicionada.
No vídeo de Zuckerberg não fica claro, mas no comunicado por escrito da Meta, sim: a decisão só é válida para os EUA – ao menos por enquanto. "Vamos encerrar o atual programa de checagem terceirizado nos EUA e mudar para um programa de notas da comunidade", afirma o texto publicado pela Meta (leia original em inglês clicando aqui).
Se incluísse a União Europeia, que tem rigorosa regulação das redes, a Meta poderia enfrentar multas de até 6% do faturamento global, hoje ao redor de US$ 3 bilhões – de multa, não de faturamento, é bom esclarecer.
Mas países menos blindados podem ser alvo no futuro. A cobrança de cumprimento de regras feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso do X foi alvo de um trecho do vídeo: "Os países latino-americanos têm tribunais secretos que podem ordenar às empresas que retirem as coisas ("things" no original) discretamente". Tribunais secretos? Só o trecho final explica:
— Vamos trabalhar com o presidente Trump para nos opor ("push back" no original) aos governos de todo o mundo.
As mudanças têm outros quatro pontos, todos alinhados abordados no vídeo de Zuckerberg:
1. Simplificar as políticas de conteúdo e "nos livrar de um monte ('a bunch' no original) de restrições" em temas como imigração e gênero ". Por quê? "Estão fora de sintonia com o discurso dominante".
2. Mudar a política de redução de erros para filtrar apenas "violações ilegais e de alta gravidade". A causa? Os filtros eram "responsáveis pela grande maioria da censura".
3. Os algoritmos de Facebook, Instagram e Threads deixam de reduzir a visibilidade de assuntos políticos. Zuckerberg disse que "a comunidade pediu para ver menos política porque isso estava deixando as pessoas estressadas", mas agora isso mudou. A justificativa? "Parece que estamos em uma nova era".
4. A Meta vai transferir as equipes de moderação de conteúdo "para fora da Califórnia" (Estado que costuma votar no Partido Democrata) e levar a "revisão de conteúdo baseada nos EUA" para o Texas (que costuma dar maioria ao Partido Republicano). O motivo? "Nos ajudará a construir confiança para realizar este trabalho em locais onde há menos preocupação com o preconceito das nossas equipes".
Para lembrar
A coluna já mencionou estudo do respeitado Massachusetts Institute of Technology (MIT) segundo o qual uma informação falsa tem em média 70% mais de probabilidade de ser compartilhada do que uma notícia verdadeira, que consome seis vezes mais tempo do que as fake news para atingir meras 1,5 mil pessoas (veja as conclusões de 2018 clicando aqui).
Ainda segundo esse levantamento, o discurso de ódio engaja mais do que vídeo de gatinho. Desperta mais reações, de compartilhamentos a novas postagens. Ex-funcionários do Facebook expuseram que os algoritmos que regulam a disseminação das postagens alimentam conteúdos violentos para gerar mais engajamento (clique aqui para ler uma das mais recentes, de Frances Haugen em 2021).
Sem regulação nas redes sociais e com excesso de tolerância ao intolerável, a campanha eleitoral espelha uma arriscada elevação de tom na vida cotidiana. A regulação das redes sociais não é diferente do controle ao qual estão submetidas todas as demais atividades. Não é censura, é responsabilização. Como agora todos os envolvidos no absurdo episódio devem ser, tanto por agressão física quanto por agressão verbal.