Tiago Sbardelotto é auditor federal de finanças e controle licenciado da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Atualmente, atua como economista da XP Investimentos focado exatamente na sua área de especialidade, a política fiscal, que tem determinado os movimentos de mercado. Além de ter as credenciais perfeitas para analisar a celeuma do pacote de gastos, é filho de gaúchos.
Para ir à raiz, por que houve necessidade do pacote?
Estamos em uma estratégia de ajuste definida pelo arcabouço fiscal, com metas de resultado primário (receitas menos despesas, sem contar o juro da dívida) de um lado e limite de despesas do outro. À medida que o limite de despesa reduzir o gasto no tempo, alcançar a meta se torna mais viável. No curto prazo, existe aumento de receita. No médio, exige que o limite de despesas seja sustentado, senão o arcabouço não se mantém. No orçamento deste ano, há aumentos de arrecadação aprovados em 2023, para o próximo também. Mas há limites políticos e econômicos, não dá para tributar indefinidamente empresas e pessoas. Chegamos ao limite dessa estratégia. Então, precisa reduzir gastos porque, a partir de 2026, o aumento das despesas obrigatórias será tão forte que vai comprimir as discricionárias (de livre escolha).
E por que o pacote foi tão mal recebido?
Porque a expectativa era de que levasse ao equilíbrio orçamentário e de que permitisse que o arcabouço fosse sustentável por mais tempo. O que o governo trouxe ficou muito aquém do que consideramos necessário.
O que seria suficiente?
A análise é de que o governo não vai entregar os R$ 70 bilhões.
O problema não é o valor?
Não, se o governo trouxesse um pacote com cortes críveis de R$ 70 bilhões, a reação seria positiva. A cifra é importante, mas a qualidade do ajuste é mais. Mudar essa tendência de crescimento no longo prazo é fundamental. O que o governo trouxe não entrega todo o potencial, nem um ajuste estrutural. Nas nossas contas, não entregará R$ 70 bilhões, mas cerca de R$ 43 bilhões. Tem muitas medidas administrativas, de pente-fino. Há poucas economias que mudem a tendência de aumento da despesa. Tem muita coisa que não é estrutural e desagradou e o que veio de estrutural poderia ser melhor.
Por exemplo?
A mudança do salário mínimo é boa, a que avaliamos como a mais positiva. Já a do abono salarial tem potencial grande de economia, mas é muito gradual, o governo diluiu no tempo. Não entrega economia quando é necessário, que já é em 2027. A mudança no BPC tem melhoria por incluir no critério de cálculo da renda per capita a das pessoas que coabitam, mas a economia é muito discreta, não traz redução sustentada no longo prazo.
Qual foi o impacto da proposta de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil?
É difícil fazer a conta. O mercado de fato não sabe como vai se pagar. Existe uma estimativa entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões, mas o ministro (Fernando Haddad) disse que tem outra fórmula, que representaria perda menor, de R$ 35 bilhões. Mas ninguém sabe qual é.
Técnicos avisaram que não seria estendida proporcionalmente a todos os salários superiores, não?
Se for isso, a conta faz sentido. A nossa fica em R$ 40 bilhões, um pouco acima, mas próxima do valor do governo. E aí vem a dúvida de como compensa. É complexo, as pessoas não conseguem entender. Pensam que vão tributar todos os dividendos, e não é assim. Só se a soma de todas as rendas passar de R$ 50 mil. No final das contas, é uma medida difícil de explicar, até para especialistas.
Mas no mercado há capacidade para entender medidas complexas, não?
O mercado tem, consegue fazer a conta e enxergar do outro lado. Mas há um temor. A tese do governo é de que só haverá isenção se houver compensação, e é um fato. Como isso não é alteração da faixa de isenção, mas benefício tributário, pela legislação tem de ter compensação. A inquietação é de que, chegando no Congresso, possa haver diluição da compensação.
Não vou perguntar até onde vai o dólar*, mas há algo no cenário que possa mudar a trajetória?
Tem, sim. Declarações dos presidentes da Câmara e do Senado sobre responsabilidade fiscal chegaram a dar uma trégua no dólar. Existe esperança, e a palavra é essa, de que o Congresso possa melhorar o pacote. Já que de dentro do governo não foi possível sair um pacote mais robusto, é possível que haja espaço para melhorar. Isso traria algum alívio. Além disso, uma postura mais dura do Banco Central (BC) pode ajudar. Essa alta do dólar vai impactar a inflação, e a expectativa é de que vai bater em juro. Se o BC acelerar o passo e sinalizar postura mais dura, pode reverter essa tendência de depreciação do real.
O que seria "acelerar o passo"?
Se o BC decidir por uma alta mais forte, o diferencial de juro entre o Brasil e os Estados Unidos fica muito grande e pode vir fluxo de capitais para cá e ajudar o dólar a cair. Havia consenso de uma alta de 0,5 ponto percentual, hoje é de 0,75 p.p., e já há apostas de 1 p.p. na reunião do próximo dia 11. O mais provável é uma aceleração para 0,75 p.p. Olhando as digitais do mercado, na curva de juros (futuros), é o que o mercado espera. O problema de aumentar 1 p.p. é que seria um ajuste muito forte.
Há economistas prevendo até recessão, há esse risco?
Não no nosso cenário. Prevemos uma desaceleração gradual da economia. Prevemos crescimento de 3,4% do PIB deste ano, e 2% em 2025. No próximo ano, há um risco positivo, o PIB pode surpreender por aumento da produção agrícola, e um negativo, pode desacelerar por juro maior. Esse impacto do juro será mais sentido no final de 2025 e início de 2026, que terá desaceleração maior, com PIB subindo entre 1% e 1,5%. O risco de recessão que existe não é por juro, é por pressão muito forte de demanda, que leva a esgotamento dos recursos. O Brasil está rodando em pleno emprego, há dificuldades para contratar. Uma hora essa restrição vai bater.
(*) Jornalistas de economia também aprendem que tentar prever dólar é inútil, tamanha a quantidade de variáveis que se reflete na moeda.