Mesmo esperada, a decisão de manter o juro e interromper o ciclo de baixa provocou polêmica. As avaliações vão de "sem justificativa moral" - segundo a presidente do PT, Gleisi Hoffmann -, a "redução de risco" - na visão do economista André Perfeito.
No meio, alimentou especulações sobre quem será o futuro presidente do Banco Central, que até a véspera era, virtualmente, o atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo.
A presidente do PT ignorou - ou fez de conta - que quatro dos nove integrantes do Copom foram indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afirmou que "não há justificativa técnica, econômica e muito menos moral para manter a taxa básica de juros em 10,5%". Por outro lado, Perfeito fez um raciocínio peculiar: "Um não corte no curto deve cortar no longo".
Como assim? Perfeito argumenta que a decisão unânime deve ajudar a reduzir a volatilidade do mercado e, em consequência, diminuir os prêmios de risco que estavam pressionando os juros futuros (o "corte no longo" prazo). Pondera, ainda, que se de fato houver corte de juro nos Estados Unidos no segundo semestre, pode melhorar os indicadores financeiros.
A avaliação de Perfeito precisa ser lida à luz da reunião anterior, quando houve divisão do Copom: a maioria, presidente Roberto Campos Neto incluído, votou por redução de 0,25 ponto percentual, enquanto os quatro diretores já indicados por Lula queriam corte maior, de 0,5 ponto. No mercado, a falta de consenso fez preço e provocou especulações de que, com "maioria lulista", o Copom fosse mais leniente no combate à inflação.
Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, resumiu assim a situação em seu relatório aos clientes: "A unanimidade vai agradar o mercado, principalmente porque implica que o principal candidato para ser o próximo presidente do BCB, Gabriel Galípolo, votou de forma conservadora".
Para Leal, como a sucessão de Campos Neto é "a principal causa para a dasancoragem das expectativas", o alinhamento de Galípolo pode ajudar a estancar a piora das projeções de inflação no Focus. Mas alerta que será necessário observar a reação do governo para verificar se as chances de Galípolo ser o escolhido diminuíram.
A unanimidade foi surpreendente para analistas como Gilberto Braga, professor de Economia do Ibmec-RJ. Avalia que o mercado não tinha convicção de seria assim. Na sua opinião, esse resultado "confirma a percepção de que o presidente Lula está, de certa maneira, mal informado sobre o comportamento da economia brasileira". E acrescenta que deve fortalecer a posição do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nas discussões sobre corte de gastos.
E não apenas no grupo político de Lula que a decisão não caiu bem. Para o presidente do Sebrae, Décio Lima, não há"explicação racional" para o juro ainda estar acima dos dois dígitos, com inflação anual de menos de 4%. Segundo Lima, "o BC não atende aos interesses do povo brasileiro" porque a taxa tão elevada "prejudica não só o governo", atinge também "os consumidores e as empresas, principalmente os micro e pequenos negócios, porque o crédito fica mais caro".
Os fatores de pressão no mercado
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção. Sinalizações de cortes de gastos nos últimos dias chegaram a proporcionar algum alívio, mas não duradouro.
Eleições na Europa: embora fosse esperado o crescimento das bancadas que questionam a União Europeia, a expressiva votação da extrema direita na França fez o presidente Emmanuel Macron convocar eleições em seu país, o que eleva a incerteza na economia.