
Depois que o governo Lula admitiu que as contas de 2027 simplesmente não vão fechar – vai faltar recursos para o funcionamento da máquina pública –, é importante ouvir diagnósticos e sugestões de remédios para a delicada situação fiscal do Brasil. Um dos mais experientes especialistas nessa área é Raul Velloso. Seu foco está na tentativa de liberar recursos do orçamento da União para investimentos, que vêm sendo espremidos pelo aumento nas despesas com previdência e assistência social. Na avaliação de Velloso, parte decorre do aumento da população idosa no país, mas parte decorre de fraudes que têm de ser combatidas.
O senhor diz que há uma trava em investimentos públicos, sobretudo em termos de infraestrutura. Qual é?
O orçamento é um bicho limitado. Mas considero que há um elemento que dificulta a gestão pública no Brasil. O peso da previdência e da assistência social representava cerca de 20% do gasto não-financeiro total em 1987. Sempre uso 1987 para comparações, porque é um ano antes da Constituição Federal de 1988, quando houve muitas mudanças. Em 2024, previdência e assistência social passaram a ocupar cerca de 60% do gasto não-financeiro total.
Em que nível preocupa?
Em um período relativamente curto, passamos de um percentual que não deveria incomodar para um que começa a incomodar. Previdência e assistência social ganharam um peso muito grande. Como existe preocupação com o gasto total no Brasil, é inaceitável aumentar o bolo. Alguns segmentos vão encolher, outros, não. O investimento em infraestrutura é o grande pagador da conta, por ser o mais flexível. A desabada do crescimento do investimento público em infraestrutura reflete a disparada dos gastos previdenciários.
Por que cresceram tanto?
Tem muito a ver com populismo. Dá muito voto.
Qual o efeito no PIB?
A taxa de crescimento do PIB é menos oscilante do que a taxa de crescimento do investimento, mas reage à taxa de crescimento do investimento. Também é importante observar o investimento privado em infraestrutura. O investimento privado fica oscilando perto de 1,1% do PIB, mas a tendência é de estabilidade. O que temos no Brasil é uma ligação entre a taxa de crescimento do investimento e a taxa de crescimento do PIB, mas no setor público. O investimento privado em infraestrutura não muda.
O que houve para a taxa de investimento público em infraestrutura desabar?
Temos de olhar para o que houve com a taxa de crescimento dos idosos. Quando aumenta muito, tem muito aposentado para receber benefício. E a população idosa deve seguir crescendo também em relação à população em idade ativa, que são os que contribuem, os mais jovens. Temos de pensar em termos de déficit, não só em despesa previdenciária. Em comparação com 1987, os idosos devem crescer, segundo projeções oficiais, 679% até 2050, enquanto a população em idade ativa, 65%. É o que vai fazer o item previdência crescer mais.
Qual a solução?
Temos de conter o crescimento das despesas e previdência e assistência social. O BPC (Benefício de Prestação Continuada) tem crescido muito por fraudes. Tem gente recebendo sem ter direito. A solução seria fazer o que chamamos de equacionamento atuarial ou equacionamento previdenciário. Ou arranjamos um jeito de pagar a conta, ou o investimento em infraestrutura e o crescimento do PIB desabam. A primeira coisa a se fazer é estimar quantas pessoas recebem e vão receber benefícios previdenciários para chegar ao passivo atuarial. Tem de zerar a soma dos fluxos de déficit com os fluxos de aportes de ativos que o governo pode doar para a previdência, mais o efeito de eventuais mudanças nas regras.
*Colaborou João Pedro Cecchini