Se quando começaram os bloqueios de rodovias se podia pensar em dolo eventual - em juridiquês, significa aceitar o risco de um determinado comportamento, ou seja, os prejuízos poderiam ser "apenas" efeito colateral -, cortes de tráfego perto de refinarias e distribuidoras de combustível desta terça-feira (1º) mostram intenção de provocar desabastecimento.
E ao menos em casos pontuais documentados em vídeo, a Polícia Rodoviária Federal (PFR), em vez de orientar para que os manifestantes liberassem as estradas, colocava-se ao lado de quem impede o direito de ir e vir, indicando adesão ou cumplicidade.
Como a coluna lembrou, os protestos de 2018 tinham o benefício da ignorância do alcance desse tipo de mobilização. Depois que os resultados desastrosos foram do aumento da inflação, que chegou ao maior nível mensal em 23 anos, à redução da atividade econômica - foi a maior queda mensal em 15 anos -, quem bloqueia estradas está consciente dessas consequências.
Na noite da segunda-feira (31/10), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a liberação das estradas. Na decisão, fixou multa de R$ 100 mil por hora de descumprimento, a contar a partir da zero hora desta terça-feira (1º) ao diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques - ao indivíduo, não à instituição. Se não atuasse para desbloquear rodovias, Vasques poderia ser preso em flagrante e afastado por desobediência.
Ah, mas o "Xandão"... Moraes tomou a decisão a pedido da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), uma entidade empresarial, que fez questão de associar a solicitação à decisão para liberar estradas adotada pelo ministro exatamente na greve de 2018. Era necessário? Em caso de bloqueio de estradas, a lei é clara, e a PRF deveria agir de ofício, ou seja, sem necessidade de determinação judicial. Foi o que fez no domingo, fiscalizando transporte de passageiros a despeito de orientação contrária.
Quase 12 horas depois da vigência da ordem, as rodovias continuam bloqueadas. A resistência do comando federal da PRF em cumprir as ordens é um sinal de quanto será complexa a troca de governo, que não representa apenas a mudança de um líder, mas de lógica. No meio da manhã, o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que deu "apoio incondicional" a Jair Bolsonaro no segundo turno, determinou multa de R$ 100 mil por hora aos infratores, que se ainda resistirem serão fichados e presos.
No Rio Grande do Sul, foi preciso utilizar bombas de gás para dispersar manifestantes. Os pontos de bloqueio são formados por poucas pessoas, com grandes impactos. Os primeiros prejuízos devem afetar produtores rurais, como transporte de leite, como relatou a colunista Gisele Loeblein.
Se os cortes de tráfego perto de refinarias e distribuidoras forem bem-sucedidos, a oferta de combustível pode ser restringida. Se não for parada a tempo, a mobilização terá efeitos econômicos não se darão em um futuro governo Lula, mas neste governo Bolsonaro. Vão para o currículo do eventual líder da oposição.
Atualização: em entrevista coletiva realizada no final da manhã, a diretores da PRF - sem a presença do diretor-geral, Silvinei Vasques -, informaram que estão atuando com foco em liberar estradas "no menor tempo possível". A prioridade será liberar pessoas retidas contra sua vontade, "se necessidade, com o uso da força". O diretor-executivo, Marco Territo de Barros, creditou a demora na atuação da força à "complexidade" da operação. O corregedor-geral, Wendel Benevides Matos, afirmou que os casos mostrando apoio de agentes à "ilegalidade" estão sendo apurados e, para os identificados, já há "procedimento instaurado". Conforme os diretores, o número de pontos de bloqueio já caiu de 431 para 267.