
Na segunda-feira (21), feriado no Brasil, surgiu "a última de Trump": o presidente dos Estados Unidos determinou tarifa de até 3.403,96% para painéis e células solares importados de países do Sudeste Asiático. O número desafia a lógica, tanto por ter quatro dígitos quanto por terminar com "03,96", algo incompreensível nessa magnitude. Por que o teto não foi de 3.400%?
É bom lembrar que a matemática não foi o forte da Casa Branca na definição das chamadas "tarifas punitivas", que suspensas por mais 77 dias – se nesse número for possível confiar. Conforme o inesperado interlocutor mais confiável dessa guerra comercial, a China, tarifas acima de 125% são inúteis, porque acima disso as alíquotas já impedem qualquer comércio internacional.
Há uma justificativa no estabelecimento de barreiras a Camboja (3.403,96%), Malásia (799,55%), Tailândia (168,8%) e Vietnã (542,64%). Como as punitivas estão suspensas, todos estão submetidos à padrão de "apenas" 10%. Não só para placas e células solares, são países que a neste caso não tão confiável China usa para triangular sua produção.
A acusação que levou à fixação desse tipo de taxa, estabelecida no conceito de direitos antidumping e compensatórios, foi do Comitê de Comércio da Aliança Americana para a Fabricação de Energia Solar.
A associação acusou empresas chinesas de operarem no Sudeste Asiático para venderem componentes solares abaixo dos preços de mercado nos EUA e de receberem subsídios na origem que tiram a competitividade dos concorrentes americanos.
Algo semelhante ocorreu no Brasil quando se estabeleceu salvaguarda para os calçados chineses, também alvos de acusação de dumping – venda por valor abaixo do preço de mercado – pela indústria nacional.
Os erros em cascata no tarifaço
1. De diagnóstico: para Trump, os déficits comerciais dos EUA estão na raiz de todos os problemas. A coluna já detalhou que, em muitos casos, esses resultados são provocados por... companhias americanas. A Apple tem produção espalhada por todo o globo e assina seus dispositivos com "Designed by Apple in California", assim como montadoras de carros e até de tênis, como a Nike e suas 71 unidades só no Vietnã.
2. De objetivo: em teoria, a meta é forçar empresas americanas – como Apple e Nike – a levar essa produção descentralizada de volta aos EUA para fugir das tarifas punitivas. Esse processo leva anos: é preciso construir unidades, comprar equipamentos. Se der certo, vai dar muito errado: a corrida de volta para casa tende a provocar uma demanda difícil de atender, o que pressionaria a inflação já elevada pela entrada de produtos com maior tarifa de importação. Outra expectativa é arrecadar mais para financiar cortes de impostos que Trump planeja fazer sem impactar ainda mais a já pesada dívida dos EUA. Mas não são governos que pagam tarifas. Nem os odiados estrangeiros. Como as tarifas são repassadas aos preços, quem vai bancar o tarifaço será o americano que comprar produtos importados.
3. De concepção: o tarifaço era aguardado. Gigantes financeiras, como Goldman Sachs e universidades de primeira linha, como Yale, projetaram, na pior das hipóteses, tarifas lineares de 25%. Engano de quem projetou? Não, de quem concebeu a possibilidade de sobretaxas de até 145%. Tarifas mais baixas provocariam efeitos negativos, mas não derretimento de mercados e perda de confiança nos Treasuries.
4. De elaboração: como era preciso fazer muitos cálculos, United States Trade Representative (USTR, principal órgão de comércio exterior dos EUA) simplificou: dividiu o superávit comercial de cada país com os EUA pelo total das exportações dessa mesma nação. E dividiu outra vez por dois, para ser "gentil". A inclusão de uma ilha povoada apenas por pinguins e focas nos 10% da "tarifa padrão" reforça o grau de amadorismo.
5. De aplicação: o anúncio foi feito em 2 de abril. As tarifas padrão, de 10%, passaram a incidir já no dia 5 e as punitivas chegaram a entrar em vigor nesta quarta-feira (9) antes de serem suspensas. Se era para negociar, o prazo deveria ter sido maior.
6. De avaliação: na Trumposfera, a China acataria sem chiar uma alíquota que a essa altura soma inacreditáveis 145%. Mas o gigante asiático retaliou – com "gentileza", para até 125% – e o presidente americano acusou o golpe, dizendo que o país oriental havia "entrado em pânico" e "não sabia jogar". A OMC estima que essa soma inviabiliza 80% do comércio entre os dois países.