As prioridades de Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos, ficaram claras não no discurso de vitória, feito sábado à noite, mas no anterior, na madrugada do mesmo dia.
A partir de 20 de janeiro, mas com providências já adotadas a partir desta segunda-feira (9), o 46º presidente americano terá quatro focos imediatos: combater a covid-19, recuperar a economia, frear a mudança climática e enfrentar o racismo sistêmico.
O Brasil tem papel importante na segunda, mas será essencial na terceira prioridade – conforme a campanha de Biden confirmou a agências de notícias, existe essa hierarquia entre os focos do democrata. Até agora, a recusa de Donald Trump em admitir a derrota e a insistência em judicializar a disputa têm sido consideradas apenas birra.
Mas como Biden anunciou a formação de um comitê de cientistas para combater a pandemia ainda nesta segunda-feira (9), a teimosia de Trump pode atrasar uma transição já delicada. Conforme o jornal The Washington Post, o órgão responsável por autorizar o início da transição não deu permissão para que a equipe de Joe Biden use recursos federais previstos para isso.
No Brasil, uma informação relevante desta segunda-feira (9) é a de que o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pediu informações a diferentes áreas do Itamaraty para avaliar os impactos de uma administração do democrata na política externa brasileira. É um sinal de proatividade e pragmatismo em um enclave ideológico do governo Bolsonaro, mesmo enquanto o presidente segue negacionista.
A terceira prioridade de Biden, de frear a mudança climática, terá o maior impacto sobre o Brasil, para o bem e para o mal, mas seu foco na recuperação da economia também provocará reflexos no Brasil. Nas projeções de grandes bancos globais, um governo Biden vai favorecer países emergentes com o prolongamento das baixas taxas de juro nos EUA e com a perspectiva de um pacote de estímulos que supere os US$ 2 trilhões, como os democratas defenderam até agora.
Há farta produção de análises sobre o tema, dentro e fora do mercado financeiro. Chama a atenção um comentário de Alvaro Bandeira, sócio e economista-chefe do banco digital modalmais. Ao cita um comentário do jornal francês Le Figaro (considerado, digamos, conservador) de que Bolsonaro "ficou órfão de padrinho" na questão ambiental, o analista avalia que "teremos de mudar um pouco o discurso".
Um resumo dos diagnósticos sobre os reflexos do governo Biden na economia do Brasil
MUDA TUDO
Na área ambiental: com Biden, os EUA voltam ao Acordo de Paris e aumentam a pressão sobre o Brasil sobre a preservação da Amazônia. Vai se somar a governos europeus, fundos de investimento internacionais e empresários brasileiros. É o maior risco para o Brasil se o governo Bolsonaro mantiver a postura negacionista, mas pode se tornar uma oportunidade se o Plano Biden para a Revolução da Energia Limpa e Justiça Ambiental provocar efeitos rápidos. O Brasil tem ativos, como a Floresta Amazônica, e a matriz de energia baseada em energia limpa (predominantemente hídrica, mas com expansão crescente em eólica e solar).
MUDA UM POUCO
Nos acordos bilaterais: não deve ocorrer retrocesso nos avanços até agora, que envolvem o que os especialistas chamam de "facilitação do comércio", que incluem retirada de barreiras não-tarifárias no comércio bilateral e simplificação procedimentos burocráticos. Mas até como forma de pressão na questão ambiental, novos avanços devem ser condicionados ao alinhamento do Brasil a estratégicas práticas de preservação.
NÃO MUDA
Na relação com a China: embora exista expectativa de redução no conflito comercial entre EUA e China, mais do ponto de vista formal do que no de conteúdo, é o que menos deve mudar do ponto de vista brasileiro. A pressão para que o governo Bolsonaro vete a tecnologia da Huawei deve continuar com a mesma intensidade.