A privatização do Banrisul voltou a ser cogitada depois que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a medida fará parte da negociação do socorro financeiro do governo federal ao Estado. Na diretoria de Desestatização do Banco Central, Carlos Eduardo de Freitas comandou a quase extinção dos bancos estaduais no país – restam apenas cinco, Banrisul, Banestes (Espírito Santo), BRB (Distrito Federal), Banpará (Pará) e Banese (Sergipe). Ainda avalia que banco estadual não é bom negócio, mas pondera que este talvez não seja o melhor momento para vender.
Faz sentido retomar a discussão sobre a privatização do Banrisul?
Banco estadual não é bom negócio. Em tese, existem para internalizar os lucros da atividade e para se voltar à economia local, mas temos visto que as duas coisas não funcionam. Os bancos estaduais acabaram sendo vítimas de aparelhamento político, que levou à distribuição de favores, por diversos mecanismos, para pessoas locais não locais. Isso levou os bancos estaduais a uma situação muito difícil. A tese não funcionou na prática. Há muita interferência política, que hoje nós todos sabemos muito bem como funciona.
Quase todos os bancos de desenvolvimento estadual foram vítimas de malversação de recursos de crédito. A meu ver, ficou comprovado que não vale a pena mantê-los. Se tornam mais um ônus para os governadores, que sofrem pressões para formar a administração, para não cobrar empréstimos como deveriam, ou seja, para que não sejam operados de acordo com as boas praticas. A venda não trouxe prejuízo para os Estados que privatizaram. Goiás, São Paulo e Paraná vão muito bem sem bancos estaduais.
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Mas a gestão não melhorou com os novos parâmetros do próprio BC?
Melhorou imensamente. O BC está bastante rígido, marca a saída de bola, é bastante severo. Então hoje tem uma certa imunidade, uma defesa contra bactérias mais efetivas. Mas vimos, nos bancos federais, que não adianta. O Banco do Brasil e a Caixa emprestaram demais e mal. A fiscalização do BC não consegue agir sobre bancos federais, por razões políticas basicamente. Agora, permanece o argumento.
Diante do fato de que o governo federal vai colocar a possibilidade na mesa de negociação, o que o Estado deveria fazer?
Se eu fosse chamado a arbitrar, proporia uma profunda análise dos custos e dos benefícios sociais. É preciso colocar preto no branco, no papel, no Excel, se os benefícios sociais do controle compensam os custos, explícitos e implícitos. Existem regras e bastante literatura sobre o assunto. Se vale vender o banco e aplicar em políticas públicas é uma comparação que precisa ser feita. Se a conclusão for de que não compensa, certo, mas para demonstrar se é interessante fazer um trabalho sério.
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Existe modo de garantir que os recursos de uma eventual privatização não vão escoar pelo ralo, como já ocorreu?
Essa é uma questão difícil. É preciso ter fiscalização permanente. O problema é que os mecanismos de checks e balances (freios e contrapesos) perderam força ao longo do século 20. As Assembleias Legislativas estão focadas na pequena política, os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) se enfraqueceram muito. As instituições estaduais estão enfraquecidas para essa fiscalização. Não vejo uma solução mágica.
O processo de escolha dos conselheiros dos TCEs é trágico. Seria preciso corrigir o processo de escolha. É aí que os recursos começam a desaparecer: os controles são falhos. Estou em um conselho fiscal de uma estatal, e estamos há um ano e meio lutando para restabelecer o sistema de controle. Os conselhos fiscais não funcionam. Depois de avaliar bem o custo e benefício social, é preciso projetar lucros futuros, trazer a valor presente e comparar com o valor de venda esperado.
Se a expectativa do preço de venda for maior, aí há uma dúvida séria se vale a pena vender ou não. Então, em primeiro lugar, é preciso um estudo sério, econômico, se vale a pena ou não. E aí começar a discutir como vai proteger o dinheiro. Talvez a saída fosse criar um fundo de investimentos, com administração totalmente independente, formada por pessoas de notória idoneidade. Um exemplo seria um fundo soberano do tipo criado pela Noruega, que coloca em uma espécie de cápsula os recursos advindos do petróleo.
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Mas o Brasil criou um fundo soberano nesses moldes, que já caminha para a extinção...
O problema é que o Brasil não tinha dinheiro para criar um fundo, e a decisão de extingui-lo foi tomada porque havia um rombo nas contas públicas. Poderia se pensar em estruturar um fundo soberano do Rio Grande do Sul, com fortes mecanismos de checks and balances, usado para fazer investimentos, de preferência fora do país. O capital teria de ser mantido, e o rendimento líquido, aplicado em despesa externas.
Uma das alternativas em debate seria uma federalização, para que o banco não perdesse o caráter público...
Acho péssima. O governo não é feito para operar banco, é feito para cuidar do bem geral, obter equilíbrios nas finanças para que as atividades econômicas possam se desenvolver. E também para correção de falha de mercado. Distribuição de renda é papel do Estado. Mas operar banco não é atividade própria do Estado. Duvido que o Estado obtenha resultado econômico melhor se transferir o Banrisul para o Banco do Brasil do que em um leilão público honesto. O Banespa foi vendido, em 20 novembro de 2000, por R$ 7,05 bilhões à época (R$ 20,2 bilhões em valores atuais). Foi um dinheirão. O melhor investimento do Rio Grande do Sul seria amortizar sua dívida.
O Banespa foi vendido por um bom preço numa época em que os bancos estrangeiros tinham apetite pelo Brasil. Por coincidência, seu comprador, o Santander, é o único remanescente dessa época, e não se identifica intenções de retorno dos estrangeiros?
Isso mostra que é uma balela essa conversa de que o juro alto no Brasil é muito bom para os bancos. Se fosse tão bom, os estrangeiros teriam ficado. Mas essa é uma questão importante. Não é o melhor momento para vender um banco. Os bancos estrangeiros mostraram que o mercado brasileiro não é essa maravilha toda. Há um desequilíbrio fiscal de longo prazo, o que pressiona a taxa de juro. Agora, se estou encalacrado, posso ser obrigado a vender a casa. Se o Estado pudesse esperar um pouco mais, seria melhor, obviamente seria melhor. Daria um fôlego. Se conseguir, por exemplo, um empréstimo-ponte contra o compromisso de privatizar o banco na frente, talvez fosse melhor.
Há uma discussão sobre a existência de outros interessados, além do Santander. Bancos chineses seriam uma opção?
Não vejo nenhuma animação dos chineses sobre o sistema bancário brasileiro. É um sistema muito consolidado, com dois grandes bancos estatais federais, que têm 50% do mercado ou perto disso. Depois há três bancos, Itaú, Bradesco e Santander, com mais outros 38%, 40%. Então, para entrar em um mercado com 88% de concentração em poucos bancos, é preciso entrar entrar em um nicho.
Foi por isso que o Santander comprou o Banespa por um valor tão grande. Tinha projeto de crescer muito na América Latina. Tinha comprado o Bozano, Simonsen, que era de atacado, e o Meridional, que era regional, e fazer a expansão passo a passo demora. O Banrisul não tem a dimensão do Banespa, é mais localizado. Para um banco chinês, o Banrisul poderia ser um começo. Mas não vejo muita movimentação.