
A representação corriqueira que temos da natureza é de uma luta de todos contra todos, quem se descuida vira almoço de outro. Natureza seria selva, valeria a lei do mais forte.
Os documentários sobre a vida selvagem sublinham essa tese. O que mais vemos são os animais mais fortes predando os mais fracos. Estranhamente, não mostram a associação dos mais fracos para intimidar e repelir os mais fortes. Embora o mobbing — termo em etologia para esse comportamento antipredador —, seja comum, raramente é mostrado.
Esse pensamento de hierarquia de domínio é tão forte, que quando os biólogos entenderam o que é um líquen, a associação de uma alga com um fungo, imaginaram um fungo parasitando uma alga. Foi no estudo dos liquens que surgiu o conceito de simbiose — que quer dizer viver junto. Mais tarde, surgiu o conceito de mutualismo, uma simbiose sem parasitismo, onde todos ganham.
Nunca subestimem os liquens, eles recobrem 8% da superfície do planeta. Geralmente estão sobre rochas, não só como suporte, eles se alimentam delas também. Parte da porção de minerais necessários, que estão em nosso corpo, um dia foi líquen. Eles arrancaram esses minerais da pedra.
Um líquen é um microcosmo de seres díspares, que se separam há milhões de anos na árvore da vida, mas depois convergiram cooperando para seguirem vivos. A partir deles não dá mais para entender a natureza apenas como competição e conflito. O desconcerto com essa forma de vida seguiu, existem mais formas de vida associadas na composição, como leveduras, cianobactérias, bactérias que executam uma função especializadas dentro de uma arquitetura de “condomínio”.
Isso está mais perto de nós do que imaginamos. A ciência tem descoberto como o arranjo das trilhões de bactérias que habitam nossa microbiota intestinal é essencial para a vida humana. Uma infecção é uma bactéria no lugar errado, pois somos envoltos pela micro vida em equilíbrio na mucosa e na pele.
A natureza, como todos contra todos, é apenas uma parte da verdade. A insistência em conceber a natureza apenas como conflito é uma projeção das relações predadoras humanas. Espelhamos na natureza o faroeste social que criamos entre nós.