
Pablo saiu do chuveiro relaxado. Precisava descansar. Teve um dia duro no trabalho.
Tomou um susto quando abriu a gaveta das cuecas. Todas elas foram trocadas por cuecas novas. De toalha, caminhou até a esposa.
— Lúcia, onde estão minhas cuecas?
— No lixo. Troquei todas. Gostou da surpresa?
Pablo não deixou transparecer o pânico. É momento para sangue frio, pensou ele. Agradeceu com a voz fina.
— Querido, ficastes emocionado. Também, aquela tua mãe nunca te cuidou, dá nisso, nem sabe o que é ser mimado.
Pablo abraçou a esposa já pensando em como recuperar sua cueca da sorte. O final do Gauchão no domingo e sua cueca grenal extraviada. Não podia falar. Mulheres não entendem a ciência dos enigmáticos caminhos cósmicos e quânticos que regem a lógica extracampo do futebol. Receava passar por supersticioso.
Não culpava a esposa. Culpava-se por não ter guardado a cueca no cofre. Seu desleixo propiciou ela ser profanada pelo lixo.
Driblou a esposa e foi olhar o lixo. Segundo susto, estava vazio. Restava a lixeira do condomínio.
Alegou que esqueceu algo no carro, vestiu-se e desceu. Sabia que sua missão não era fácil. Lembrou que sua mulher recicla as sacolas do supermercado para tirar o lixo. Teria um atalho para a empreitada.
O terceiro susto foi uma constatação sociológica. Tomado pela angústia, descobriu que todos usam o método da Lúcia para embrulhar lixo.
E se alguém chegasse e visse ele remexendo os latões, o que diria?
Ele, o pregador da verdade, iria dizer: boa noite, tá tudo bem, só estou procurando minha cueca?
A cada movimento dos vizinhos, desligava a lanterna e se esgueirava para o carro. As interrupções atrasavam a busca. O que iria dizer para Lúcia pela demora?
Foi tanto saco rasgado que a perseverança fez o sucesso. Achou um saco com a embalagem de uma marca de bolacha vegana que a Lúcia gosta. O prédio era de carnívoros. O alvo estaria por perto. Apalpou um saco ao lado e sentiu que eram panos. Rasgou e glória! A cueca verde musgo estava lá. Beijou-a e pediu desculpas.
Entrou tão radiante em casa que Lúcia percebeu.
— Pablo, tu tá bem?
— Tô ótimo, vou abrir um espumante. Precisamos comemorar o lance das cuecas.