Uma senhora que cozinhava para nós na infância tinha uma máxima: receita é para quem não sabe cozinhar. Elza nunca lera uma receita e era segura na condução do fogão. Obtinha novidades copiando. Olhava um prato desconhecido tentando deduzir o segredo. Saia "a la Elza”, mas sempre bom.
Como cozinheiro sou um bom lavador de pratos. Sério, a cozinha fica mais limpa depois que passo. De qualquer forma, também sai algo comestível. Como boa parte dos homens da minha geração, aprendi a cozinhar em legítima defesa. Saindo de casa, fez-se necessário transcender o miojo com salsicha.
Some a isso o fato de que as mulheres minhas coetâneas, evidentemente com exceções, não são lá muito vaqueanas nas lidas com as panelas. Sem críticas, foi por uma grande causa, libertar-se dos papéis tradicionais femininos. Fizeram um bom negócio, são mulheres maravilhosas nos outros quesitos. Já as mais jovens, herdeiras de algumas conquistas, usufruem o prazer de cozinhar sem temer a volta ao cativeiro doméstico.
Voltando ao ponto inicial, sou como a Elza, não uso receitas. Para mim, cozinhar é invenção. Dou um vistaço no que tem em casa e penso como combinar e equilibrar uma refeição. Nas outras áreas da vida peço conselhos, leio manuais, sigo instruções. Na cozinha baixa um frenético santo alquímico, então invento, improviso e crio. Minha mãe usava qualquer fruta para fazer torta de maçã, talvez daí venha a má influência.
Minha esposa é do mesmo time. Como ela não tinha tradição de pratos na bagagem afetiva, a invenção foi necessária. Temos outra questão paralela e confluente: não nos importamos com o nome das comidas. As pessoas geralmente comem significantes, a nomeação do prato importa e faz parte do deleite. Afinal, como fotografar e postar se não há um nome, e sim "apenas" comida?
Nada contra os pratos tradicionais, apreciamos sem reservas. Mas quando fazemos saem em nova versão. Um descuido meu e Diana põe ervilhas e alcaparras até na sobremesa. Nossa carbonara pode ganhar estes acréscimos. Se alguém de fora perguntar: isto é carbonara?! Diria que tanto faz.
Para nós, a experiência é que vale, e prescinde de nome e receita. Em um mundo regrado, cozinhar sem amarras é subversão. Para arrematar o paradoxo, adoramos livros de culinária. Eles aumentam as possibilidades de receitas para corromper. Decididamente, nossa parceria na cozinha é jazz.