Distraído, esperava minha vez no guichê. Meu radar acordou-me porque pescou algo insistente, era um olhar cravado em minha direção. Vinha de uma mulher coetânea, miúda, esguia e expressiva.
Ela girou seu caminho e veio na minha direção. Sua expressão era paradoxal, como se tivesse visto um fantasma. Supus fantasma benigno, afinal ela não fugiu e sim chegou-se. De qualquer forma, era um olhar forte, singular. Tal a intimidade que o olhar pedia, que supus ser alguém importante do meu passado.
Como tenho uma memória social fraca, sofro de micro ataques de pânico nessas ocasiões. Não raro esqueço nomes e até o contexto onde conheci, ou fui apresentado, à alguém. Mas a minha memória para rostos é boa. Buscava, com urgência, algo nos arquivos que ajudasse a conectar com o resto.
Com o fracasso do reconhecimento facial, olhei para as roupas, em um desespero para encontrar indício de quem fosse. Era daquelas pessoas elegantes, que não estão em nenhuma moda, mas tampouco fora da moda. Mulheres que fazem combinações peculiares com roupas de boa qualidade.
Já estava resignado em passar vergonha pelo esquecimento, quando ela chegou bem próxima, rompendo o pacto da distância socialmente mínima, praticamente ao alcance de um beijo. Então, fixa em meus olhos, disse em tom de interrogação: Jorge?
O nome saiu sumido, na pergunta já havia traços de decepção. Infelizmente para ela, eu não sou Jorge, muito menos o Jorge esperado.
Ela se deu conta do constrangimento causado, pediu desculpa, e seguiu caminho. Quase pedi desculpas por não ser o Jorge. Afinal, a dor da sua frustração deixou um rastro de fumaça triste perseguindo seus passos.
Anos depois, em cenário distinto, a cena repetiu-se. Não igual porque lembrei do infausto encontro prévio. Outra vez uma empatia com o dolorido desencontro dela com o meu Doppelgänger. Prefiro aqui uma palavra alemã para sósia, pois é carregada de misticismo. É prenúncio de mau augúrio, ou o gêmeo maligno do sujeito, ou ainda vê-lo anuncia a morte próxima de quem o encontrou.
Se você que me lê chama-se Jorge - ou George, vá saber -, tem sessenta e algo, altura ao redor dos 1,8m, é ruivo desbotado, branco colono, cabelo ralo, barba branca e míope, saiba que alguém muito te espera. Se estiveres morto, vá consolá-la durante o sonho.
Já eu, como com Doppelgänger não se brinca, marquei um check-up.