Educando o marido, a mulher não permite que a porta do banheiro seja deixada aberta. Coisas do feng shui, ou, pelo menos, como ela entendeu a milenar ciência chinesa de distribuição da energia cósmica e, nesse caso, doméstica. A tal energia, caso o banheiro ficasse escancarado, iria para não sei aonde, e seria um desperdício de bons fluidos. Ele, embora um pouco cético, mantém a porta cerrada, como pedem os preceitos das sinergias benignas.
Não sei se vocês conhecem banheiros com ventilação forçada. Entre as maravilhas da arquitetura de hoje, que empilha habitações de qualquer maneira, está o banheiro sem janela. Supostamente, uma estrovenga no alto do edifício sugaria o ar do banheiro vedado. Funciona bem no aspecto sonoro, faz um barulho danado, mas o ar não toma conhecimento e, distraído, fica ali mesmo.
Esse era o banheiro do enamorado casal acima quando chegou o inverno. Por sorte, a ducha era uma sauna. Aquela neblina morna, que limpa, aquece, amolece os ossos e clareia a alma, deliciosamente invadia o minúsculo quarto de banho. Mas tudo tem seu preço, especialmente o prazer.
O que era morno tornava-se frio, o que era névoa calmante virava fog londrino. O vapor bem-vindo não sabia ir embora e agarrava-se nas paredes do cubículo. Como tirar a umidade gosmenta do banheiro se a patroa não deixa abrir a porta?
Um dia ela chega em casa e a porta tabu está aberta. Dentro, o marido trepado numa escada, esfrega o teto preto de mofo. – O que você está fazendo? Pergunta ela. – Tirando a p(...) do feng shui que grudou no teto. Responde ele atarefado.
Assim segue a humanidade, cada um inventando a espiritualidade que lhe falta com a mitologia alheia. Mary Douglas, antropóloga americana, quando alguém lhe chegava com essa arenga de feng shui, saía perguntando: "Você mantém limpo o túmulo dos seus antepassados?". Para os desconcertados ouvintes, ela que conhecia o feng shui de primeira mão, e não de revistas de decoração, explicava: esse é o primeiro e principal mandamento. Sem ele, os outros não funcionam.
Sua crítica era dirigida à nossa espiritualidade de supermercado. Vamos na prateleira e pegamos o que nos convém, sem levar em conta que isso faz parte de algo que tira sua significação da totalidade e não de partes aleatórias. Desde a invenção do individualismo, quando recebemos a tarefa de fazer de nós um ego ímpar, equivocadamente, entendemos que deveríamos também fazer uma religião própria, montando a religiosidade que nos conviria.
Pouco sei de feng shui, mas a ideia de que estar em paz com nossos antepassados abriria nossos caminhos faz sentido para mim. É no alinhamento com a energia dos ancestrais que encontramos nossa harmonia. Mesmo discordando deles, devemos levá-los em conta para negociar nossa própria síntese. Espertos esses orientais.