Pense no Rio Grande do Sul do passado de ode ao estatismo, endividamento irresponsável, benesses variadas e refém de um corporativismo que arrancava aposentadoria integral para alguns servidores aos 48 anos. Essa é a Argentina de hoje, mas com uma diferença. O Rio Grande do Sul torrou o que não tinha porque achava que era rico. A Argentina foi rica de verdade, mas, hipnotizada pelo populismo peronista, empobreceu e se encalacrou a ponto de um terço do eleitorado sagrar nas eleições primárias um economista que se passa por doido porque a implosão de tudo dá voto.
“El Loco” Javier Milei é o resultado do completo fracasso das instituições argentinas em achar um fim para a crise sem fim. Contra o desespero, saídas desesperadas. A incapacidade do liberal Mauricio Macri em reverter a desastrosa herança kirchnerista legou uma inflação de 53% ao ano e manteve um terço da população na pobreza. O populismo imobilizador de Alberto Fernández cuidou de piorar as coisas, em um ciclo constante de esperanças frustradas.
Milei foi parar onde parou porque, aos ouvidos de boa parte do eleitorado, é o único a expressar o que essa parcela sente: seguir fazendo o mesmo, com pequenas variações, vai perpetuar a inflação e o sofrimento. Milei não esconde que seu programa de ajuste é muito mais duro que a receita do FMI. Dolarizar a economia parece absurdo, mas os argentinos guardam 261 bilhões de dólares em casa ou no Exterior. Na prática, a economia já está dolarizada, ao menos para a camada menos empobrecida. O dólar dos EUA também é a moeda do Equador e de El Salvador e a vida segue por lá, embora nunca tenha se tentado se aplicar a dolarização numa economia tão complexa como a argentina.
E bote complicada nisso. Segundo o TMF Group, a Argentina é 12º país mais complexo para se fazer negócios. Uma licença de construção requer 17 procedimentos e leva 318 dias em média. Uma mera ligação elétrica consome três meses. Muita gente simplesmente está saturada disso tudo e se volta para um arauto do anarcocapitalismo, que se assemelha ao anarquismo de esquerda apenas na repulsa ao Estado e aos controles governamentais.
Milei também é louco de esperto. Seu libertarianismo inclui a legalização das drogas e até da venda de partes do próprio corpo, mas não do aborto. Ele pode ser tachado de maluco, mas não é burro de queimar votos conservadores. Também não fala em fechar a simbólica e deficitária Aerolíneas Argentinas, e sim em transferi-la aos empregados, naturalmente sem mais subsídios. O provável destino seria o mesmo da Varig.
É incerto que Milei consiga conquistar a Casa Rosada este ano. Mas o alerta aos vizinhos está dado: mais valem boas e profundas reformas na mão, com responsabilidade fiscal sempre, do que um El Loco voando por aí.