Até março, mês do aniversário de Porto Alegre, vamos contar, uma vez por semana (aqui, no Perimetral Podcast, na Rádio Gaúcha, em ZH e nas redes sociais), histórias e curiosidades por trás de canções que se tornaram símbolos da capital gaúcha.
A série Hinos de POA começou com Flávio Bicca Rocha, autor de Horizontes, canção que surgiu na peça Bailei na Curva, e Amigo Punk, escrita por Frank Jorge e Marcelo Birck, da banda Graforréia Xilarmônica. Agora é vez do clássico dos clássicos Porto Alegre é Demais, de José Fogaça, imortalizada na voz de Isabela.
Veja a dupla cantando a música
O ano era 1988, quase 1989. Na Assembleia Nacional Constituinte, em Brasília, o então senador José Fogaça havia acabado de participar da promulgação da Constituição Cidadã, nas palavras de Ulysses Guimarães. Os trabalhos ainda estavam longe de terminar. Era preciso finalizar a legislação complementar, e Fogaça não sabia quando conseguiria voltar a Porto Alegre.
A saudade bateu forte.
Em plena madrugada, angustiado, trancado no escritório do apartamento funcional, ele se pôs a escrever e a dedilhar o piano. Ali nasceram os versos que dariam vida a uma declaração de amor à capital gaúcha: Porto Alegre é Demais, o mais conhecido e entoado hino informal da cidade.
— Eu me dei conta, pela primeira vez na vida, de que não saberia ser feliz em outro lugar que não fosse Porto Alegre. Tenho um respeito enorme por Brasília, é uma cidade incrível, mas ali, naquele momento, eu só tinha uma certeza: que eu não queria viver lá pelo resto da minha vida. Eu queria simplesmente voltar para a minha Porto Alegre — recorda o homem que, anos depois, seria eleito prefeito da Capital.
À época, a música ficou na gaveta.
— Lembro de não ter dado muita bola, porque estava no meu momento mãe. Tinha acabo de ter Martin (hoje com 35 anos), nosso primeiro filho, e estava totalmente focada nele — conta Isabela, companheira de vida de Fogaça.
Ela ainda não imaginava o sucesso que viria pela frente, eternizado na sua voz, doce e melodiosa. Porto Alegre é Demais é o que é no timbre e no jeito de cantar de Isabela, mas isso só viria à tona mais tarde, no início da década de 1990.
Por iniciativa do produtor musical Ayrton dos Anjos, o Patineti (falecido em junho de 2024), surgiu a ideia de gravar um LP com uma coletânea de canções sobre a capital gaúcha. Patineti insistiu com o casal de amigos.
— Lembro que um dia o Beto (José Fogaça) disse: "Vamos gravar essa música". A gravação aconteceu por volta de 1990. Eu estava no aniversário de um ano do Martin, e o Calique (o músico Calique Ludwig) me chamou: "Isabela, vem aqui, nós precisamos colocar a tua voz". Eu fui. Fizemos tudo muito rápido, de forma corriqueira — relembra ela.
Veja a íntegra do Perimetral com os Fogaça
O LP chegou ao mercado em 1992, mas a canção só estourou quando saiu em CD, pouco depois, pela Companhia Zaffari.
— Vendeu como água. Foram mais de 120 mil cópias nesses anos. A música passou a tocar nas rádios, e nós éramos chamados em todos os aniversários de Porto Alegre. A música criou pernas — diz Isabela.
Criou mesmo: o sucesso não se limitou à terrinha. Porto Alegre é Demais tem gravações em francês, italiano, espanhol, inglês e até japonês.
Veja Isabela cantando a música em japonês
O que explica o poder da canção? Talvez, a simplicidade. A letra exalta a Capital falando das gurias, das manhãs de domingo à espera do Grenal, das pequenas coisas. E também das dores.
— Porto Alegre é como qualquer cidade do mundo: ela produz em nós as nossas dores. Tanto que diz: "Porto Alegre me dói". Por quê? Pelos problemas. Me faz sofrer também, é claro. Mas Porto Alegre também continua me fazendo muito feliz. Quando eu fiz a música, estava sentindo isso. É a cidade que me dói, mas é, também, a cidade onde quero viver e morrer — conclui o poeta.
A letra
Porto Alegre é Demais*
Porto Alegre é que tem
Um jeito legal
É lá que as gurias etc. e tal
Nas manhãs de domingo
Esperando o Grenal
Passear pelo Brique
Num alto astral
Porto Alegre me faz
Tão sentimental
Porto Alegre me dói
Não diga a ninguém
Porto Alegre me tem
Não leve a mal
A saudade é demais
É lá que eu vivo em paz
Quem dera eu pudesse
Ligar o rádio e ouvir
Uma nova canção
Do Kleiton e Kledir
Andar pelos bares
Nas noites de abril
Roubar de repente
Um beijo vadio
Porto Alegre me faz
Tão sentimental
Porto Alegre me dói
Não diga a ninguém
Porto Alegre me tem
Não leve a mal
A saudade é demais
É lá que eu vivo em paz
Porto Alegre me dói
Não diga a ninguém
Porto Alegre me tem
Não leve a mal
A saudade é demais
É lá que eu vivo em paz
Porto Alegre é demais
* José Fogaça